A produção televisiva Enterrem Meu Coração na Curva do Rio, dirigida por Yves Simoneau, adaptação do livro homônimo de Dee Brown, procura retratar a situação dos povos indígenas dos Estados Unidos no final do século XIX. A narrativa, que pretende captar a perspectiva dos índios diante dos eventos históricos, centra-se em três personagens: Charles Eastman, um Sioux “assimilado”, formado em medicina, Touro Sentado, orgulhoso chefe Lakota, e o senador Henry Dawes, político responsável pelos assuntos indígenas. Personagens com perfis distintos que servem (ou deveriam servir) para enriquecer esse drama histórico produzido para a televisão.
Esteticamente, o filme de Simoneau é contido – obviamente que o fato de ser para a televisão tem influência –, isso pode ser percebido logo pela representação da batalha de Little Big Horn, que não parece ter sido condizente com a grandiosidade e importância desse conflito para as guerras ameríndias. Contida também se mostra a dramaticidade e tensão que os três personagens principais projetam em suas aparições, a exceção, talvez, para Touro Sentado (bem representado por August Schellenberg), em que podemos apreender de fato seu drama diante das mudanças a que seu povo é obrigado a enfrentar. Os outros dois, sobretudo o índio “civilizado”, pouco transmitem com profundidade, para o espectador, os dilemas e as dores que sua condição deveria lhes causar.
Enquanto assistimos à película, observando Charles Eastman, é impossível não ficar com a sensação de que se trata de um personagem que merecia uma representação mais profunda e tensa, até porque, ainda no retrato de sua fase adolescente, o filme esboça que aprofundaria na condição ambivalente do índio Sioux (o paradoxo de um índio civilizado). Talvez a preocupação do roteiro fosse se concentrar mais nos eventos do que nos indivíduos, e é isso o que vai ficando no expectador à medida que assiste ao filme, uma sucessão de eventos – cada vez mais cruciantes para os índios – que contribui para a diminuição da população indígena e, sobretudo, para a mudança ou anulação de suas tradições. Por exemplo, a condição de igualdade na reserva significava a desvalorização e/ou desautorização do “chefe” indígena (como Touro Sentado), personagem importante na luta pela manutenção da união entre os índios e sua cultura.
Como resgate de um importante momento histórico da América do Norte, sobretudo por não se valer de representações estereotipadas dos índios ou amenidades em relação ao colonizador branco, Bury My Heart at Wounded Knee consegue retratar, a contento, a forma violenta com a qual o Estado americano tratou os índios. A abordagem sobre a necessidade de incutir nos índios a noção de propriedade e de civilidade talvez seja o grande acerto narrativo do filme de Yves Simoneau. Se esteticamente sua película deixa um pouco a desejar – mas talvez isso possa ser isentado pela natureza dessa produção –, nota-se que cenograficamente a HBO investiu para que a película apresentasse o contexto do final do século XIX de modo fidedigno. Não por acaso, o filme recebeu diversas indicações e prêmios, com boa receptividade de crítica e público.
Enterrem Meu Coração na Curva do Rio não deve ser entendido como um drama profundo e tenso sobre a violência sofrida pelos índios da América do Norte durante o século XIX, mas como o retrato de um momento histórico, uma espécie de painel a exibir cenas e fatos (as fotos apresentadas ao longo do filme ratificam essa metáfora) que precisam ser recordados para evocar a história, não a dos vencedores, mas sim dos vencidos, silenciados e encobertos desde a instauração do processo histórico do qual seriam vítimas.
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