Entre o Céu e o Inferno é daqueles filmes que nos fazem pensar, refletir sobre alguns valores importantes de nossa vida, sendo que tudo isto é regado por canções belíssimas, no melhor estilo do blues, tradicional ritmo sulista norte americano. A direção e roteiro de Brewer são fundamentais para este sucesso e sensação reconfortante ao final do filme, sendo que em todo o restante da projeção, o que sentimos é indignação, indiferença e acima de tudo pena dos personagens. Aliás, este tipo de filme é extremamente eficiente quando tenta tocar seu público, tornando alguns elementos da trama familiar para quem o assiste.
O filme é um enorme desafio de narrativa, que são construídos aos poucos, sem pressa, em uma exuberante interpretação de Christina Ricci, que se entregou de corpo e alma ao projeto e pôde viver uma personagem densa, complexa e bastante interessante. Alguns afirmam que o excesso de nudez comprometeu o resultado final, fato este que discordo completamente, pois tudo aquilo se mostrou necessário para deixar a trama mais consistente e real. Aliás, sua personagem é uma ninfomaníaca, então esperar algo senão muitas cenas tórridas é um equivoco.
A atriz se transformou completamente para viver Rae, apresentando uma interpretação fortíssima e jamais vista em sua carreira. A transformação física e a personalidade estão totalmente diferentes do que nos acostumamos a ver anteriormente. A intensidade em que sua personagem se relaciona com os demais é incrível, e a atriz deu conta do recado, lembrando que um trabalho destes é um grandioso desafio. Rae sofre, bebe, fuma, apanha, é acorrentada, dança, se mostrando de longe a melhor personagem do filme, se destacando pelo envolvimento em que tudo acontece.
Falar bem de Samuel L. Jackson é chover no molhado. Mesmo que este tenha se envolvido em muitas produções medíocres e que não são levadas a sério pela critica, encontra sua redenção neste projeto emocionante e profundo, com um personagem sofrível e dramático. O personagem Laz caiu perfeitamente nas mãos do astro, que desenvolve uma interpretação sincera e extremamente atraente. Recém separado de sua esposa, envelhecido e amargurado com a vida, Samuel é estupendo em tela, e quando este saca sua guitarra para cantar velhas canções do blues, a tela pega fogo.
Após uma breve introdução dos personagens e de suas vidas, o elo é criado entre eles em um encontro no meio da estrada, onde Laz encontra a jovem toda ensangüentada, após ser abusada e espancada. O que se explora em seguida são momentos dramáticos, principalmente quando Laz decide acorrentar a garota e lhe ensinar viver uma vida digna, tendo em vista que este é um fervoroso religioso. Mas ai começam os maiores questionamentos levantados pela trama, como por exemplo, o que é certo ou errado.
Certo ou errado, céu ou inferno, liberdade ou privação. Os elementos se cruzam e se confrontam a cada instante, mas o principal objetivo do roteiro de Brewer não é simplesmente ser moralista, ou apresentar situações ou decisões óbvias, mas sim levantar os questionamentos deixando para o público analisar quem ou não faz a coisa certa, ou melhor, se em momentos assim a palavra “certo” ou “errado” pode ser empregada. O filme não se limita em ficar em cima do muro, muito menos tender para um determinado lado, mas sim apresentar os fatos, explorá-los e deixando a tarefa com o público.
Rea e Laz se aproximam de forma inusitada e assim prossegue por algum tempo. Acorrentada para não fugir até aprender “boas maneiras”, ambos vão criando laços importantes que os conectam através dos mundos diferentes em que vivem, surgindo dessa estranha relação uma amizade verdadeira, um sentimento de companheirismo. A ajuda que nenhum deles recebera antes, veio da forma que não esperavam, fruto desta interação forçada e inconveniente. A cena em que Laz canta para Rea é apaixonante e sem dúvidas, emocionante.
Entre o Céu e o Inferno é um filme tocante, que promove reflexão durante seus 116 minutos de projeção, além de contar com interpretações marcantes e envolventes. Acompanhar os personagens crescendo, superando seus medos e aflições, ajeitando suas posições na sociedade, e mais que tudo, fazendo o que querem e vivendo intensamente, como mesmo afirma Laz em determinado momento, é realmente fantástico. Tanto na cena em que Laz canta para Rea a canção titulo do filme, quanto a passagem em que a garota canta para o velho são momentos de pura inspiração e emoção.
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