O bruto do tempo e da Sétima Arte
Contar a história de um grupo de judeus no contexto do início do século XX em Nova York pode parecer difícil, afinal, é preciso bagagem e embasamento histórico, além de recursos visuais imponentes para retratar um período anterior a uma quebra de bolsa e com muita restrição imposta pela Lei Seca. Leone conseguiu tudo isso e mais um pouco nessa jóia rara do Cinema, repleta de atuações monumentais e impactantes, com saltos temporais isentos de furos e essencialmente suplementares dentro do ângulo proposto pelo cineasta italiano de contar, do início ao fim, a historia de Noodles (DeNiro). Para isso, passeou com sua câmera pelas fases mais significativas da vida do protagonista. Infância, juventude e velhice. Como numa representação do que é o viver, Leone mostrou o fato desse ato ser cíclico e, infelizmente (ou felizmente), finito.
Através da agradabilíssima trilha sonora de Morricone, foi possível mergulhar numa das melhores historias de máfia, um conto tão fabuloso quanto o de Poderoso Chefão. Tão longo quanto, até um pouco mais, com suas quase quatro horas (corte mais comum) de duração, Once Upon a Time In America fez nós descobrirmos o valor da amizade na construção de identidade, a necessidade de um código de honra quando se trabalha em grupo e a coragem como elemento intrínseco na luta contra as adversidades constantes. Tudo isso envolto num figurino e numa recriação de época estritamente fiel aos tempos de outrora, onde homens lucravam com o comércio de bebidas e trajavam ternos de fina costura e chapéus elegantes. O machismo da época também é retratado aqui por Leone, em passagens onde é mostrado o estupro como a simbologia de uma superioridade masculina, sobreposta ao esteio feminino. É lindo ver também que, por trás do sexo selvagem ser uma obsessão masculina, houve por trás da lente aqui, uma amostra do amor verdadeiro. A infância de Noodles admiradora de Deborah é sutil e delicada, mostrando que, apesar de viver do roubo e da matança, Noodles era de coração bom e distoante dos demais, que visavam, ainda que a felicidade no fundo da alma, os lucros que seriam destinados aos patrões, chefões das ruas de Nova York que não exitavam em usar crianças judias para seus negócios.
Outro ponto importante e fundamental na narrativa é a utilização magnética do tempo feita por Leone, para conseguir prender o espectador frente a tela, sem que este perceba a longa duração. É uma história grandiosa contada de modo não linear, o que exige certo esforço. Porém, tudo, tudo mesmo vale a pena. Desde a riqueza de detalhes ate a a atuação de James Woods. Para se ter uma ideia, todos os personagens são taos significativos que, até mesmo Moe, que aparece pouco na trama, causa uma empatia. Os atores estão em sincronia e tudo funciona muito bem.
Tão grande como Godfather, Era uma Vez na América traz enquadramentos inesquecíveis e o valor do companheirismo e do amor como a síntese de tudo o que rodeia o mundo real. Ver Noodles olhando para a parede na estação de trem e vendo-se em Long Island, e depois isso se concretizando no final do filme, é esmagador e de encher os olhos. O filme inteiro é como um sonho se concretizando mesmo. O seu e o de todos os personagens, cada qual com seu destino alçado por suas escolhas. Fenomenal.
Belo texto, Juvenil. Não me empolgo tanto quanto tu com esse (dei um 8,5), mas é um puta filme mesmo. Mas admito que gosto muito mais dele enquanto é um filme sobre os amigos na infância, mais coming of age e tal, do que do restante da obra.