Há aproximadamente 1 ano, Universal Pictures e Relativity Media iniciaram uma verdadeira batalha pra que sua adaptação de “Branca de Neve e os Sete Anões”, dos irmãos Grimm, chegasse antes aos cinemas. Tal disputa mostrava-se até bem justificável, pois os estúdios contrataram grandes astros e viabilizaram orçamentos bem razoáveis (70 e 60 milhões de dólares, respectivamente) para suas versões de uma história já bastante explorada. Um lançamento posterior pode significar perda de interesse após longa semelhante ter sido realizado tão recentemente, podendo até mesmo haver a transferência de fracasso de uma a outra. A Universal, que iniciou o processo de produção mais tardiamente, perdeu a briga, mas tinha um bom motivo pra não desistir do projeto – possibilidade que, à época, rumores indicaram ter sido cogitada: a abordagem diferenciada dos projetos, entre si e em relação a outras adaptações do clássico, mais tradicionais e fiéis ao conto de fadas.
“Branca de Neve e o Caçador” chega aos cinemas brasileiros no dia 1ºde junho com uma visão mais sombria da fábula, trazendo como novidades uma Branca de Neve guerreira (Kristen Stewart) e, como sugere o título, o caçador (Chris Hemsworth, o “Thor”) como protagonista e interesse romântico da princesa. A Relativity traz no filme em questão, “Espelho, Espelho Meu”, o contraponto: uma versão lúdica, cômica e, como apontou os últimos vídeos de divulgação, com humor que beiraria o pastelão, o que assustou de imediato. Pois tal previsão se materializa com uma sátira bem evidente, quase escrachada, mas nada como a aberração “A Saga Molusco: Anoitecer”, e o resultado surpreende positivamente.
A primeira surpresa surge já na cena inicial, numa introdução abrupta com a Rainha Má (Julia Roberts) apresentando a maior parte do primeiro ato através de narração em off (escolha acertada, como explicarei adiante) em que alterna-se entre maldades e tiradas irônicas, enquanto na tela vemos uma animação bem semelhante à vista em “Harry Potter e as Relíquias de Morte – Parte 1″. Em meio a isso, a rainha conta como perdeu seu amado marido “tragicamente” e cita sua enteada, Branca de Neve (Lily Collins), que surge num close que evidencia suas grossas sobrancelhas negras e a proposta dos entrosados roteiristas Jason Keller (“Redenção”) e Melissa Wallack (estreante): subverter a história que foi apresentada ao mundo há 200 anos com uma paródia, por sinal muito bem conduzida pelo diretor Tarsem Singh.
Tudo muda na história com a chegada do Príncipe Alcott (Armie Hammer), que ainda no caminho para o reino é atacado na floresta por um grupo de renegados “gigantes” e libertado por Branca de Neve, que dirigia-se ao vilarejo pela primeira vez em 18 anos de vida. Sem apresentar-se, o casal apaixona-se e cada um segue seu rumo. Ao apresentar-se como o príncipe de Valência, uma terra abastada rica em prata e ouro, o jovem atrai o desejo (e o interesse) da Rainha Má, relação que protagonizará os momentos mais hilários do longa.
Julia Roberts, aliás, caracteriza essa rainha de modo caricaturalmente mal e com ironia latente, tendo grande atuação num filme cujo ritmo cai sensivelmente quando, do meio pro final, ela cede espaço para Lily Collins, figura ainda muito frágil para protagonizar produções desse porte. Nesse meio-tempo, quem domina a tela são os tais renegados, os anões Napoleão (Jordan Prentice), Grimm (Danny Woodburn), Açougueiro (Martin Klebba), Grub (Joe Gnoffo), Chuckles (Ronald Lee Clark), Lobo (Sebastian Saraceno) e Half-Pint (Mark Povinelli), cada qual com um nome que resume sua personalidade, como no conto de fadas, mas aqui seus atos estão a serviço de comédia a partir de um grupo que demonstra deliciosa química. E se o galã Armie Hammer apenas cumpre bem o seu papel, Nathan Lane, intérprete do “puxa-saco real” Brighton, está ótimo.
O maior trunfo da comédia de fantasia, contudo, está na diversidade e no teor das piadas propostas pela dupla de roteiristas: as mais sutis (“plebeus adoram metáforas”), aquelas das quais as crianças rirão, mas os adultos que realmente entenderão (como na cena do tratamento de beleza com bichos peçonhentos e fezes de animais), daquelas mais ternas (vide as investidas de Half-Pint , apaixonado pela princesa), quase tudo de bom gosto (o que destoa é a gag pastelão da poção de amor para cães, surreal e de gosto bem duvidoso). Essa áurea de verdadeira subversão da obra dos irmãos Grimm tanto ganha realce quando aponta clichês de contos de fadas (“mas por que mudar uma fórmula tão boa, que sempre funciona?”, diz o príncipe Alcott em dado momento), como quando Singh brinca com o cinema de um modo mais amplo, utilizando propositalmente uma narração em off, o famigerado final que resume o fim que tiveram os personagens – ambos comumente utilizados como artifícios preguiçosos e ineficazes -, a trilha espanhola no fundo da cena de luta com espadas (“Zorro” e o recente “O Gato de Botas” vêm logo à mente) e uma sátira àquelas bregas dancinhas típicas de Bollywood. Com tudo isso, me levo a crer que mesmo a escalação de Sean Bean como o Rei não passa de mais uma brincadeira de seus realizadores com a figura do ator inglês, eternizado como o Boromir de “O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel” e o Edward Stark da série de TV “Game of Thrones”.
Em todo esse ambiente de gozação à indústria que percebo todas as escolhas de Tarsem Singh como pensadas e precisas, fazendo deste seu grande trabalho no cinema após sua estreia elogiada, em “A Cela”, já que a continuação de sua carreira, com “Dublê de Anjo” (em que também foi responsável pelo raso roteiro) e “Imortais”, mostrou-se bastante irregular. E se também foi dele a decisão de escalar Julia Roberts, mais um ponto a favor do cineasta indiano, pois confiou numa estrela que não brilhava desde 2004 (“Closer – Perto Demais”) e que, aqui, demonstra entrega e coragem, já que esse não é o tipo de papel que agrade crítica ou seu público fiel, fascinado pela apaixonante Vivian Ward de “Uma Linda Mulher”.
Via Agência Infoco News
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