Qual o ingrediente para um filme estado-unidense dar errado? Muitos, mas o principal destes é certamente o quesito das políticas internacionais. A saga de Rambo no Afeganistão é só um simples exemplo disso, e não foram poucas às vezes em que o cinema ianque retratou países do exterior. Mas o que afinal das contas entendem da Guerra Civil na Somália? Um tema explorado de forma quase única no cinema de forma geral, até porque para se ter noção, é um tal conflito que ainda nem acabou! Falcão Negro em Perigo (Black Hawk Down) é um filme que já vai lá para os seus quase 20 anos, na qual retratava a década anterior e o conflito ainda perdura! Na paisagem desértica da Somália, onde nem se vê civilização, lá estão os guerreiros negros com armas potentes.
Trata-se de uma missão militar estado-unidense na região do Nordeste da África em que tudo dá errado, e diversos integrantes das forças armadas ficam perdidos no meio do conflito. Hans Zimmer faz uma trilha-sonora razoável, com altos e baixos, e o filme traz diversos atores que ganhariam grande destaque no mundo cinematográfico no pós-2001, como Ewan McGregor, Eric Bana, Orlando Bloom, Tom Hardy e até mesmo Ioan Gruffudd.
A introdução do filme tenta de forma equivocada colocar um contexto complexo palatável em cerca de 10 ou 15 minutos, e os somalis, "bandidos" ou não (na ótica dos E.U.A.) são reduzidos a meros negros com brilho azul que urram palavras estranhas, suas vidas não são exploradas e sequer o clichê de colocar um ator de outra nacionalidade para interpretar uma outra específica foi feita (a reflexão feita por sul-coreanos fazendo chineses e chineses fazendo japoneses, que fazem sul-coreanos), nem isso há. Raso dizer que trata-se de combatentes americanos prontos para instaurar a ordem naquela nação (notem que em nenhum momento a bandeira da Somália aparece, como ela é mesmo?), certo, mas onde está a questão do petróleo? Da geopolítica na região? Do emponderamento do imperialismo estado-unidense após o colapso melancólico da URSS? Nada, zero. É um esvaziamento de reflexão bastante problemático.
Há quem diga por aí, né, que um bom filme precisa de dois elementinhos: (1) efeitos especiais mega produzidos, leia-se tecnologia de alta, algo que ainda não foi ultrapassado e (2) ação delirante. Ok, Falcão Negro em Perigo tem tudo isso. Mas então por que ele não é bom? Na época o diretor Ridley Scott estava com o bolso cheio para fazer um filme visualmente delirante, havia ganho recentemente oscars por Gladiador (2000) e o problema de investimento parecia improvável, até mesmo contratou um cinematógrafo de conteúdo para a produção, o que não bastou para deixar diversas cenas horríveis, doídas de ver. Aliás, os problemas de Ridley Scott, assim como o seu irmão cineasta, poucas vezes foram de dinheiro para investir, a facilidade com que ele tem projetos aprovados é fruto de sua capacidade de fazer cinema, e não só da parte artística, e tanto Ridley quanto Tony sempre tiveram a capacidade de atrair massas para temáticas complexas, e na maioria das vezes souberam transformar grandes e pequenas estórias/histórias em cinema de alta qualidade.
Mas então por que Falcão Negro em Perigo é ruim? Ele tem ação de sobra, há corpos voando, paredes se esfacelando, helicópteros caindo, uma espionagem através de um carro identificado com fita isolante no teto (linda a cena!), pessoas correndo, paredes caindo, tiros, fogo para todo o lado, um realismo de som de diversas armas de forma espetacular, sangue jorrando, tripas, correria.. ufa! Entende? Para ser cineasta, além da paixão e da pesquisa, é preciso ser honesto. Não é honesto tratar a guerra porque sim, dizer que ele é inevitável, conflitos bélicos surgem por extremismos, falta de diálogo e interesses de um lado ou outro. A picaretagem de dizer que "é filme de macho" e pronto, ou que é uma forma diferente de abordar o momento como feito em Platoon (1986), O Resgate do Soldado Ryan (1997) e Além da Linha Vermelha (1997) não convence. O que fez de Scott um nome importante e indiscutível na história do cinema foi a sua capacidade em tratar o cinema com estilo. Não é nada estiloso rechear o filme de explosões porque eu não entendi o que aconteceu ali, não é esperto parecer esperto quando vimos que algo está errado.
Há um ou dois somalis que falam algo no filme, e de uma profundidade vergonhosa, "é assim, sempre foi assim e ponto". Nem quem morre de fome - e é inevitável tratar que o povo somali é muito afetado - parece ter uma opinião. Nem mesmo para urrar um diabo de um: "Uhhh, fome!", não, nada. Os nomes dos mais de mil mortos somalis só naquele momento não são sequer mencionados, eu sei que o foco não é neles, mas os infelizes não são humanos? Também não foram vítimas? David Fincher, o cineasta, sempre salienta em entrevistas que é perigoso tratar uma batalha sem o seu realismo, e isso é demasiado perigoso, estar em um campo de batalha (onde Scott nos coloca de forma competente) não é como estar sentado na sala matando no videogame, tomando Coca-Cola e comendo um sorvete, não, não é. E ainda que vejamos a dor, o suor, a memória da família que fica em casa, tudo isso acaba diluído em cenas de ação, muito bem filmadas, é verdade, mas insonsas, bocejantes. Onde acontece muita coisa e que se entende pouquíssimo.
Só por lembrar os filmes de Michael Bay (certamente foi uma inspiração para a saga Transformers) o filme já merece descrédito, a bandeira estado-unidense tremulando naquele sol seco e direto, o suor do corpo de um heroico soldado e tanta coisa acontecendo.. Em determinado momento, eu já sabia que alguém iria explodir, ou que alguma bala ia atravessar a tela. Daí o elemento surpresa se perde nessa obviedade enorme. E falta coragem, falta respeito; na súmula, vi muito perfume masculino, mas pouco cinema.
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