É uma constante na obra de M. Night Shyamalan o gosto natural pela ilusão, pela sugestão do mal, quase nunca oficializado realmente na imagem, mas potencializado pelo trabalho com o som, pelos movimentos de câmera, sempre confeccionando uma atmosfera que torna o perigo extremamente iminente. Ele foi legitimando essa característica, enquanto pedia em troca simplesmente que embarcássemos naquele universo, comprássemos a propostas (fosse ela crer na existência de fantasmas ou mesmo na realidade fabular de um ser aquático). De O Sexto Sentido (The Sixth Sense, 1999) a esse criticado Fim dos Tempos (The Happening, 2008), o espetáculo está sempre no que nos é sugerido, não apresentado.
Mais do que outros suspenses seus, Fim dos Tempos pretende levar ao limite a lógica da encenação (atores/personagens diante do absurdo da situação) e do nosso olhar a cerca de tudo que está sendo mostrado (endossando o quão importante é embarcar em suas propostas); de início, uma suposição de uma investida terrorista se torna a base para atribuir responsabilidade a algo/alguém sobre todo aquele macabro e absurdo massacre (que resulta numa sequência inicial incrível), logo depois, todo o caminho que percorremos junto dos personagens (em sentidos literais, já que, em dado momento, se torna quase um road-movie) parece se autodestruir quando nos é revelada a verdadeira explicação sobre os acontecimentos. Ou que acreditamos que seja.
Costumam dizer que os apreciadores de seu cinema se valem de mil e uma explicações sobre as metáforas religiosas (a exemplo de Sinais [Signs, 2002] e de O Sexto Sentido) e de possíveis discursos sociológicos (em A Vila [The Village, 2004]) nas entrelinhas (cabendo trazer aqui outra constante de sua obra, que é promover um duelo entre o universo real, palpável, e outro que desafia quaisquer explicações), embora, realmente, as tramas escritas por Shyamalan não existem unicamente pela função de entreter, mas se embasam em teorias e análises organizadas de maneira implícita. Em Fim dos Tempos, sua produção mais controversa, existe, através do embate entre humanidade e natureza, a probabilidade de um diálogo socioambiental, que reconhece as atuais condições do planeta e ataca o grande causador de seus males, embora tudo isso faça parte de uma explanação extremamente vaga, ao contrário de filmes de outrora – por razão dos rumos que sua narrativa toma, da maneira didática com a qual as situações vão se resolvendo (o que é estranho já que Shyamalan é do tipo de cineasta cujas saídas se dão pela imagem, quase nunca pelo texto), ou mesmo do espetáculo visual que aqui vai perdendo sua substancia ao decorrer do tempo.
Por mais reais que fossem suas propostas, falta em Fim dos Tempos a tônica que abastecia filmes como Corpo Fechado (Unbreakable, 2000) ou Sinais (ou qualquer outro de seus suspenses que não A Dama da Água [Lady in the Water, 2006]): veículos eficazes para trabalhar com nossos medos. Tudo aqui é menos orgânico, mais diminuto, e até mais óbvio se equiparado a suas narrativas anteriores, não pela “ausência de lógica” (oh, eles estão fugindo do vento, ele conversa com uma planta de borracha, etc.) que boa parte dos detratores aponta, mas simplesmente pela confiança ou mesmo a preguiça de Shyamalan quanto à história que queria contar (logo ele que sempre foi um dos poucos de Hollywood que podemos chamar de autor), já que só isso para justificar um trabalho tão frágil - de poucos grandes momentos - e em baixa voltagem quanto esse. Diria que faltou mais fé nessa tacada.
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