"Tell me the truth, Frank, remember that? We used to live by it. And you know what's so good about the truth? Everyone knows what it is however long they've lived without it. No one forgets the truth, Frank, they just get better at lying."
Quando Kate Winslet e Leonardo DiCaprio se reencontraram no grande ecrã em «Revolutionary Road», já não lhes podia sair da "pele" a memória da dupla como protagonistas de «Titanic», de James Cameron. Nesta obra os dois estão noutro filme de época, mas que tem um contexto e um conteúdo completamente diferentes da fita oscarizada de 1998, e ainda bem. Porque ao contrário de «Titanic», «Revolutionary Road» não é uma narrativa embelezada pelos efeitos especiais e pelas mais modernas técnicas de efeitos especiais, flutuando o vazio do enredo na magnitude da sua estrutura formal. Realizado por Sam Mendes (um cineasta tão diversificado que consegue concretizar maravilhosas produções independentes como «Um Lugar para Viver» como também grandes produções de Hollywood como «Skyfall» - que deu uma nova frescura e interesse ao franchise de James Bond) e baseado no livro homónimo de Richard Yates, esta é a história da vida de um casal, e dos seus confrontos com as imposições da vida real. Como não tem nenhuma "fofura" ou alguma delicadeza excessiva que encontramos no romance de «Titanic», muitas pessoas deixaram este filme de parte, por ser incrivelmente duro e esmagador. Nem sabem o que perdem, porque encontrariam, se vissem o filme com uma vista descuidada, uma película que, com o seu charme muito especial, filma algo que é invulgar de se encontrar no Cinema americano. Não há floreados, apesar da lindíssima fotografia nos querer dar essa ideia (ou melhor ainda, que naquele ambiente aparentemente perfeito há mais destruição do que possamos estar à espera), nesta reflexão sobre a rutura das relações amorosas e o mal estar do casal na sociedade daquela época, que nos quer parecer tão linda e poética. Vemos o casal a conhecer-se e, logo a seguir, Sam Mendes faz uma transição logo nos primeiros minutos para o pós-casamento, e para o primeiro foco de tensão e de discussões que iremos ver neste filme, que crescem gradualmente e por razões cada vez mais complexas naquilo que constrói o fabuloso drama familiar e social que é «Revolutionary Road».
Os sonhos do passado e a realidade do presente fazem a grande temática do filme: April e Frank são o casal cuja vida quotidiana faz o ideal do que é o "sonho americano" para muitas pessoas. Mas eles não estão satisfeitos com as boas condições e o status que conseguiram atingir. Ambos querem viver a vida como esta deve ser vivida - algo que é um preconceito para todos os que querem ter uma visão "realista" das coisas. Contudo, todos nós temos sonhos e ambições, mas por causa do lado real que nos pesa tanto, e do medo de arriscar que nos leva a rejeitar tantas oportunidades e situações, preferimos submeter-nos ao sistema "psicológico" que tem uma força tão grande que consegue destruir uma parte da liberdade individual de cada ser humano. As pressões são muitas, mas os Wheelers vêm esta "fuga" do convencionalismo das suas vidas como a única chave para conseguirem acabar com a desordem que causa a aparente ordem repetitiva, chata e monótona do dia a dia. A derrota parece inevitável: de que vale arriscar se as estruturas "fiáveis" e "seguras" estão lá para combaterem isso mesmo, graças a noções de sucesso e de reputação que são efémeras e que não validam a eternização do sujeito (apenas lhe dão pão para comer, que é algo já muito precioso e essencial)? A angústia de estar neste ambiente de segurança, e de não se seguir aquilo que se quer fazer, não será maior e mais prolongada do que a angústia de se sair mal por se ter arriscado uma vez? «Revolutionary Road» deixa muitas perguntas, e não há só um romance aqui (felizmente). Não só o filme é lindíssimo em termos visuais (palmas para a fotografia e para a impecável reconstituição de época), como é hábil e engenhoso a filmar uma história intimista, mas que toca a todos nós por falar dessas pequenas imposições da vida que nos querem desviar daquilo que queremos fazer mesmo enquanto por aqui andamos. Lá diz o provérbio (que aqui se adequa perfeitamente, e poderia até ser um slogan muito interessante), "quem não arrisca, não petisca"...
Amargo, desencantado e avassaladoramente real, «Revolutionary Road» não será um filme que possa agradar aos fãs de «Titanic». Aqui não há nenhum dos ingredientes que tornaram a obra de James Cameron um bombástico êxito mundial, à exceção da dupla de protagonistas, que aqui são muito melhor "utilizados" e não servem apenas para decorar uma odisseia romântica numa viagem marítima. É uma história de medos e de preocupações, que levam a novas discussões e desagrados sobre novos medos e novas preocupações que surgem com a racionalidade deste homem e desta mulher, e que os quer impedir de, por uma vez, poderem sonhar sem limites. Quando os outros não querem que nós não sejamos como os outros, a questão que sobressai é como resistir a tamanha dimensão da maioria em relação à nossa individualidade. E o filme deixa o espectador espantado por todo o seu conteúdo e por toda a sua alma, onde paira o espírito livre das duas personagens centrais, que não acreditam que concretizar desejos e sonhos possa ser a coisa mais irreal de sempre, porque são as convenções impostas que destroem a convencionalidade do casal (ou por outras palavras, são essas convenções que vão criando mágoas na relação e do matrimónio estabelecido), e a normalidade acabará por causar mais estragos por ser isso mesmo, normal. E o que Sam Mendes nos mostra é que as relações humanas são falíveis porque os seres humanos as tornam falíveis pelas mais pequenas e pelas mais gigantes razões, todas elas exploradas, de uma forma ou de outra, no filme. Uma obra esmagadora, que nos deixa um vazio, quando nos apercebemos que, tal como na vida que conhecemos, a mediocridade permanece e as pessoas não evitam cair no esquecimento, tal como todas as "outras". De que valem felicidades disfarçadas quando não se soube arriscar e fazer aquilo que não foi ousado fazer antes? Nada. E isto não é uma crítica. São apontamentos dispersos mentais que ficam connosco depois de ver «Revolutionary Road», e que merecem ser percebidos e visionados como deve ser. Uma fita magnífica, sobre a qual não consigo fazer um texto de apreciação. O que os olhos captam com a beleza das imagens é tudo o que se pode apanhar deste filme. Parabéns a Sam Mendes, a Kate Winslet e a Leonardo DiCaprio: podem não ter ganho nenhum dos prémios que todos os "outros" ganham (se bem que, de quando em vez, são premiados quem merece!), mas sobressaem porque fizeram um filme que entra no espectador, e de que dele nunca mais sairá. Sensações destas valem mais do que qualquer estatueta, e são muito mais eternizáveis...
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