Imaginem que de uma hora para outra você e sua família se encontram em uma situação de vida ou morte. Da forma como as coisas aconteceram, você tem duas opções: correr e se salvar, ou ficar e arriscar sua vida tentando proteger seus filhos e companheiro(a). O que você faria? A resposta parece óbvia, mas num momento de pressão extrema, será que tomaríamos a atitude mais coerente? Essa é a premissa de "Força Maior".
Tomas (Johannes Kuhnke) e Ebba (Lisa Loven Kongsli) estão passando férias com seus dois filhos pequenos em um luxuoso resort europeu de esqui. Durante um café da manhã com uma bela vista para os alpes, a família nota uma avalanche se aproximando. O que parecia ser uma medida controlada pela equipe do local acaba transformando-se em desespero, pois a neve está se aproximando rapidamente. Eis que, tomado pelo susto, Tomas recolhe seu celular e suas luvas e corre para salvar-se. Ebba, por sua vez, preocupa-se em proteger os filhos. O desastre, porém, era um alarme falso, visto que apenas uma densa névoa chegou até eles.
O que aparentemente parecia caminhar para uma estrutura de filme catástrofe, acabou se tornando uma competente análise da moralidade e do comportamento humano perante suas escolhas. Será que podemos condenar o protagonista por sua atitude? Trata-se de algo condenável? Esses são apenas alguns dos aspectos discutidos pelo ótimo roteiro de Ruben Östlund, que aqui também assume a cadeira da direção.
A dificuldade de Tomas em assumir seu ato o corrói durante toda a projeção, causando impacto direto em todos a sua volta. A famosa frase de que "toda ação gera uma reação" faz todo sentido para com a trama que está sendo contada. O trabalho dos atores é singelo, mas admirável. Conseguimos sentir a angustia que atravessam com um olhar. E quando precisam expressar em palavras, é quando a emoção toma conta da projeção.
Outro acerto é o tom estabelecido para a narrativa, que nunca se torna excessivamente dramática, muito pelo contrário, o humor calcado nas relações interpessoais é cativante. Destaca-se o trabalho do ator norueguês Kristofer Hivju (da série Game of Thrones), que vive o papel de um amigo do casal protagonista e serve de alívio cômico em grande parte das cenas, sem nunca tornar-se caricato ou exagerado. O tipo de coadjuvante carismático que sentimos falta quando não está em tela.
Östlund é hábil em estabelecer enquadramentos que ressaltam a proximidade da família ainda no primeiro ato, quando os 4 dormem juntos na mesma cama, ou quando escovam os dentes enfileirados em frente ao espelho. Do segundo ato em diante, esses elementos passam a ser desconstruídos perante o rompimento causado pela "força maior" do título. Após a avalanche vemos apenas o casal perante o espelho, para depois restar apenas Tomas, sozinho. Por outro lado, o diretor encontra dificuldade em estabelecer a mise-en-scéne em determinados momentos, como quando 2 casais jantam no quarto do hotel e não conseguimos saber ao certo o posicionamento de cada um no ambiente (há inclusive quebra de eixo). Algo semelhante acontece na importante cena da avalanche, quando Östlund posiciona a família num ponto da tela onde a ação não está acontecendo, prejudicando o entendimento de tudo que ali aconteceu para olhares menos atentos.
"Força Maior" ainda traz a ironia como desfecho, provando que a percepção do que é certo ou errado vai além de uma única e racional perspectiva.
Crítica originalmente publicada em meu blog pessoal:
http://cinefiloemserie.blogspot.com.br/2014/12/itinerancia-da-mostra-internacional-de_8.html#more
Preciso ver esse urgentemente! Ótimo texto caro Daniel...