Foxcatcher: Uma História que Chocou o Mundo
“Eu quero ser o melhor do mundo.”
Se existia alguma dúvida até ali, o plano final de Foxcatcher: Uma História que Chocou o Mundo (subtítulo canalha, de novo) deixa claras as intenções do diretor Bennett Miller e dos roteiristas E. Max Frye e Dan Futterman: é dedo na ferida. É pegar os ideais estadunidenses, que de tão popularizados ao redor do mundo já viraram um clichê digno de Hollywood, e jogar na tela as consequências físicas e psicológicas de um país que ao ver um filho americano e um estrangeiro, esse povo sempre estranho e prestes a virar inimigo, prestes a lutar reage da única maneira que parece adequada: gritando a plenos pulmões o nome da pátria, que se torna um grito de guerra que aguarda o vencedor que PRECISA vir nas cores azul, branca e vermelha.
E não basta vencer. Você precisa ser o melhor. Abaixo disso se é apenas mais um perdedor. Um perdedor “com grife”, mas um perdedor. O melhor guarda seu troféu na área nobre da casa, junto com as conquistas que importam. Um vencedor qualquer está relegado a sala de troféus, que acumula aquelas conquistas que mal importam. Aí nessa de vencedores e perdedores se chocam titãs como os irmãos campeões de luta olímpica, Mark (Channing Tatum, intenso física e emocionalmente como nunca foi na carreira - nem no seu filme semi-biográfico Magic Mike -, injustamente ignorado em boa parte das premiações do ano) e Dave Schultz (Mark Ruffalo, ótimo como de costume [a cena em que elogia o personagem de Carrell em frente a uma câmera talvez seja o grande momento de sua carreira]), e o herdeiro de uma das maiores fortunas norte-americanas, John du Pont (Steve Carrell, assustador, muito mais do que mera maquiagem, como os olhos do ator evidenciam). E o resultado já sabemos de antemão: haverá sangue.
Introspectivo e sempre à sombra do irmão, mesmo com suas próprias conquistas, Mark almeja picos maiores, quer ser “o melhor lutador do mundo”. Dave quer mesmo continuar entre os melhores lutadores e ser o melhor pai para seus filhos e o melhor marido para sua esposa (Sienna Miller). Já du Pont acumula títulos e mais títulos que nada significam – ornitologista, por exemplo – para o olhar inquisidor de sua mãe (Vanessa Redgrave), reconhecida como uma grande treinadora de cavalos. Daí a ideia de investir seu dinheiro e “comprar” a equipe de luta olímpica norte-americana e “liderá-los“ para a medalha de ouro nos jogos de Seul, 1988. Não que ele entenda algo do esporte. Ou mesmo seja um líder. Mas logo uma relação simbiótica e nociva se estabelece entre du Pont e Mark e após cada vitória o lutador logo corre aos braços do milionário, como se ele realmente tivesse algum peso nas conquistas. Quando a coisa atinge um ponto em que a saúde mental do personagem de Tatum corre risco e, por consequência, a física, a dinâmica se inverte e Mark passa a correr do personagem de Carrell, enfrenta problemas com seu irmão e logo chegam as derrotas.
Derrotas que não podem ser justificadas. Por que perder é envergonhar a si mesmo e o povo americano. Por que de alguma maneira a mente torpe de du Pont e, de certo modo, a de Mark, julgam que a vitória de cada indivíduo é esperança para uma nação, mesmo que a nação mal se lembre dele ou da conquista depois.
Aí se antecipa o final trágico da obra. Uma história assim, com personalidades assim ocupando-a, não pode acabar bem, como evidencia a atmosfera sufocante e de tons gélidos, monocromáticos, empregada por Miller e pelo diretor de fotografia Greig Fraser, e a trilha incômoda de Rob Simonsen. Aí quem paga é o mais fraco de um elo onde todos estavam dispostos a tudo para ser o melhor. Inclusive, matar. E num meio assim, você colocar a família em primeiro lugar é injustificável. Você paga com a vida. Paga com sangue na neve. Você passa. Eles ficam. E todos são esquecidos. Por que a história pode até chocar o mundo, mas logo uma outra história chocará mais. E o mundo só lembra do topo da cadeia.
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