Alguns podem pensar em Frank (idem, 2014) somente como o filme em que Michael Fassbender atua usando uma cabeça gigante de papel machê, mas o longa de Lenny Abrahamson está longe de ser reduzível a esse detalhe excêntrico. Existe um grande coração pulsando nessa história em que as notas musicais servem de fundo para letras divertidas e inesperadas, fruto das composições do personagem-título, vocalista de uma banda à qual o jovem e inexperiente Jon (Domhnall Gleeson) se integra. Típico garoto cheio de sonhos, ele tem sua grande chance quando o tecladista oficial da banda sofre um colapso nervoso e não tem mais condições de tocar. Uma vez apresentando ao líder nada convencional do quarteto remanescente, logo ele percebe que a dinâmica existente ali reflete a personalidade incomum de Frank. Ou seria um encontro bem-sucedido entre loucos que já tinham suas manias?
Disposto a levar o grupo ao estrelato por acreditar no potencial de todos, Jon acaba por modificar essa tal dinâmica, e quem menos se mostra aberta à sua entrada definitiva na banda é Clara (Maggie Gylenhaal), que diz sem a menor cerimônia que ele não é bem-vindo ali. A normalidade de Jon contrasta com as esquisitices dos demais e, de certa forma, ele representa o olhar do espectador comum para aquela reunião de tipos improváveis, trazendo questionamentos que os outros já superaram há muito tempo, como a motivação que leva Frank a usar o tempo todo a tal cabeça. Apesar desse contraste, Jon está decidido a fazer por onde ser totalmente aceito e acaba contagiado pela maluquice beleza do grupo. Nesse sentido, há um bom espaço destinado aos coadjuvantes, que deitam e rolam com a possibilidade de brincar em cena e revelam que nem só de Fassbender se compõe Frank.
Aliás, o protagonismo da história é dividido entre ele e Gleeson, que tem a seu favor o fato de ainda ser um rosto semidesconhecido do grande público, o que injeta frescor à sua atuação na medida. Quem já assistiu a ele em Questão de tempo (About time, 2013) sabe de sua capacidade de parecer gente como a gente sem demonstrar muito esforço na empreitada. Sua ruivice natural é um charme a mais e um detalhe que o torna diferente da maioria, já que não é toda hora que vemos atores com cabelos alaranjados naturais por aí, além de funcionar bem para o personagem. Outro destaque forte do elenco Scott McNairy, sensacional na pele de Don, uma espécie de mestre de cerimônias que descortina o cotidiano cheio de rituais do grupo. Sua maior esquisitice é revelada a Jon por Frank: a tara por fazer sexo com manequins. Lá pelas tantas, ele reflete essa preferência bizarra em uma canção que compôs, um misto de doideira com poesia – a primeira, pelo conteúdo da letra; a segunda, pela maravilhosa melodia.
Para além da compilação de elementos que arrancam boas risadas, Frank também sabe fazer uso do drama, reunindo sequências de adorável ternura, sobretudo na meia hora final, quando o roteiro de Jon Ronson e Peter Straughan aponta que cada um se entende na própria bagunça. A propósito, a bagunça está nos olhos de quem a vê. Para o “bagunceiro”, pode estar tudo muito bem organizado, e Jon leva um tempo para entender essa máxima que vale para muitos casos da vida. É quando o longa mostra que a delimitação tradicional de gêneros cinematográficos é insuficiente para encapar as boas histórias, que transitam por eles com desenvoltura e refletem um ecletismo que está contido na realidade. Por falar em realidade, a base para a história é a vida do humorista inglês Chris Sievey, que adotou o pseudônimo Frank Sidebottom e realmente usava uma cabeça gigante cobrindo o rosto. Portanto, estamos diante de um clássico caso de arte imitando a vida.
Entre os críticos, Frank foi bastante elogiado, e carimbou seu passaporte para o universo indie sendo exibido no Festival de Sundance. O maior atrativo da produção, Fassbender, acabou sendo aproveitado de uma maneira singular, o que obrigou o ator a interpretar o personagem quase o tempo inteiro sem expressões faciais, sendo apenas voz, tronco e membros. Digamos que foi um artifício inteligente de Abrahamson, cuja carreira formada por quatro longas-metragens de Cinema se revela promissora a julgar por esse trabalho. Por vezes, pode soar deslocado em uma contemporaneidade assinalada pelo cinismo, que procura a piada oculta onde há simplesmente carinho. É uma hipótese a ser considerada para justificar o desdém de alguns espectadores. Os clichês eventuais não depõem contra o conjunto, porque bem trabalhados e absorvidos pela narrativa, encerrada ao som da arrebatadora I Love You All, com vocação para aderir à memória por um bom tempo.
Bela introdução. Não gostei tanto quanto vc mas concordo com muitas partes principalmente sobre o desempenho do elenco.
"Por vezes, pode soar deslocado em uma contemporaneidade assinalada pelo cinismo, que procura a piada oculta onde há simplesmente carinho."
Embora meu problema com o filme tenha mais a ver com o formato, eu gostaria que você falasse mais a respeito disso. / E quem curtiu devia ver O Diabo e Daniel Johnston 😉
Ricardo,
acredito que, atualmente, a maioria das pessoas anda muito cínica, e prefere o tom jocoso e/ou o sarcasmo à gentileza e à doçura. Talvez, por isso, uma parte do público não tenha comprado a ideia do filme, que não aposta nessa abordagem.
Muitas vezes engraçado,sensível e delicado em muitos outros momentos.Jon queria fazer música e ter sucesso,os outros queriam apenas o prazer de estar juntos fazendo qualquer música.E nesse encontro musicado tudo muda graças a Jon e Frank finalmente pode se revelar,ser como todos,ser livre e estar na sua turma de cara limpa.Gostei!