CLÁSSICO ABSOLUTO DA FICÇÃO CIENTÍFCA E MAIS UMA OBRA-PRIMA DE JOHN CARPENTER
Se existe uma coisa da qual o mestre John Carpenter pode ter certeza em sua carreira de diretor de cinema é que o tempo é o maior justiceiro de todos. Poucos foram seus filmes que fizeram sucesso na época do seu lançamento. Porém, quase todos seus trabalhos foram ganhando força com o tempo e encontrando seu lugar junto a um público fiel e fervoroso. Isso fez com que a maioria de seus filmes, assim como o próprio Carpenter, atingissem o status de ‘cult’. Não são poucos os exemplos disso. O Enigma do Outro Mundo (The Thing, 1982), Eles Vivem (They Live, 1988) e A Cidade dos Almadiçoados (Village of the Damned, 1995) foram massacrados ao chegar as telenoas e hoje são cultuados como clássicos-cult, não só do cinema B, mas do cinema em geral. Fugindo (com o perdão do trocadilho) um pouco dessa regra, Fuga de Nova York (Escape From New York, 1981) foi a melhor estréia da carreira de Carpenter em termos de bilheterias, mas nem por isso deixou de seguir a linha dos demais filmes do diretor e acabou se tornando um dos grandes clássicos dos anos oitenta.
Nas décadas de 70 e 80, era quase um consenso no cinema de ação e ficção que o futuro da sociedade seria caótico e decadente, com as autoridades penando na tentativa de manter a ordem e conter a criminalidade. Reflexos de um período de Guerra Fria? Pode ser. O fato é que Fuga de Nova York faz deste cenário a ambientação perfeita para sua história. Ruas sujas e desoladas, fotografia incomodativa, vandalismo e construções pichadas e parcialmente destruídas servem de plano de fundo para pôr em ação um dos personagens mais icônicos do cinema, Snake Plissken (Kurt Russell). Cínico e marrento até dizer chega, com seu tapa olho e seu humor satírico, Plissken ficou tão famoso que acabou indo parar no mundo dos vídeo-games, no jogo Metal Gear.
O ano é 1997. Os índices de criminalidade elevaram-se de maneira apocalíptica. Assim sendo, o governo norte-americano tomou uma decisão drástica: isolar a ilha de Manhattan por um gigantesco muro de doze metros de altura e transformá-la em uma prisão onde são ‘depositados’ todos criminosos do país e de onde não há meios de escapar. Eis que um fato inesperado acontece e o avião que transportava o presidente dos EUA (Donald Pleasence, de Com 007 Só Se Vive Duas Vezes e O Último Magnata) cai no meio de Nova York e somente Snake Plissken é capaz de resgatá-lo. Para garantir que Snake não desapareça, um detonador é implantado em seu corpo e, se ele não retornar em 24h, boom! Agora Snake precisa encontrar o presidente antes de Duke (o músico Isaac Hayes), grande chefão do crime, não só para salvá-lo, mas para salvar a si mesmo.
Como todo exemplar do cinema de Carpenter, o visual de Fuga de Nova York é arrebatador, não só na construção de seu protagonista, mas também em sua ambientação (como já foi citado antes) e na concepção de suas cenas. A chegada de Snake Plissken à Nova York, de avião sobrevoando as torres gêmeas do World Trade Center e o Empire State, é um show a parte. Mesmo com toda sua subversividade, Fuga de Nova York é sim, um produto de um cinema básica e essencialmente sensorial. Um filme é, em suma, uma seqüência de imagens em movimento. E poucos diretores dominam e entendem de imagens como Carpenter. Seu cinema é visualmente impactante. Suas tomadas, seus planos e seus enquadramentos permanecem na nossa memória por muito tempo depois do filme. Não há uma só cena descartável em seus filmes. É um cinema estimulante. Coisa de mestre mesmo.
A parceria Carpenter/Russell é uma das mais relevantes do cinema. Parece que o diretor concebe seus personagens pensando em Russell para interpretá-los. Difícil imaginar, por exemplo, Snake interpretado por Thommy Lee Jones (M.I.B. – Homens de Preto; Onde Os Fracos Não Têm Vez), como queriam os executivos do estúdio. Não que Lee Jones não seja um grande ator. Muito pelo contrário. Mas duvido que teria imortalizado o personagem como Russell e seu carisma estupendo fizeram. Além de Kurt Russell, Isaac Hayes e Donald Pleasence, o elenco ainda conta com outros nomes de peso e habituais parceiros do diretor. O ótimo Harry Dean Stanton (Alien – O Oitavo Passageiro; À Espera de Um Milagre) trabalharia novamente com Carpenter dois anos depois em Christine – O Carro Assassino (Christine, 1983). Adrienne Barbeau (Alguém Me Vigia; Creepshow – Show De Horrores) participou de outros dois filmes do Mestre: A Bruma Assassina (The Fog, 1980) e O Enigma do Outro Mundo (The Thing, 1982) como a voz do computador da estação de pesquisa. Completam o timaço o vencedor do Oscar de Melhor Ator de 1955, Ernest Borgine (Marty; O Destino de Poseidon) e o grande astro dos westerns Lee Van Cleef (Três Homens em Conflito; O Homem Que Matou o Facínora;Matar ou Morrer). Além da musa de Carpenter, Jamie Lee Curtis (True Lies; Meu Primeiro Amor), que já havia trabalhado com o diretor na sua obra-prima Halloween – A Noite do Terror (Halloween, 1978) e em A Bruma Assassina (The Fog, 1980) que participa do filme como a voz do computador, não sendo creditada. Mas está lá.
Assistir Fuga da Nova York é uma experiência única, assim como quase todo filme de Carpenter. A Nova York, alvo preferido dos filmes catástrofes e apocalípticos e seu Empire State, símbolo de poder e da hegemonia norte-americana aqui são desconstruídos de uma sádica e irônica pelo diretor, que impõe um tom desesperançoso não só na figura do presidente, mas na atmosfera que envolve toda a operação. É como se a vida do presidente não fosse tão mais importante do que a maleta contendo a gravação da reunião das nações unidas de onde ele acabara de voltar. Carpenter, mais uma vez, nos brinda com uma aula de direção digna do gênio que é. Sua composição de planos, sempre visando o quadro final como um todo dentro do contexto da obra (como faz todo grande artista), sua condução da narrativa, sua interação entre o grandioso e o intimista, tudo isso trabalhando em prol de um espetáculo memorável que dá ao filme um charme diferenciado. Carpenter foi o responsável pelo primeiro filme que me marcou. O Enigma do Outro Mundo. Eu assisti The Thing quando tinha...sei lá...8 ou 9 anos e suas cenas nunca mais saíram da minha mente. Por muitos anos desconheci que filme era aquele e comecei a pesquisar até reencontrá-lo. O Enigma do Outro Mundo tornou-se um dos meus filmes favoritos (assim como Os Aventureiros do Bairro Proibido) e Carpenter o primeiro diretor que eu admirei. De certa forma posso afirmar: Carpenter e seu cinema me fizeram o cinéfilo que sou hoje. Se adquiri um mínimo de conhecimento sobre a sétima arte e sinto todo esse prazer em assistir uma obra cinematográfica, devo isso à John Carpenter.
Fuga de Nova York é um filme multiversivo de imagens marcantes, de cenas inesquecíveis e personagens interessantíssimos, liderados por um anti-herói carismático e icônico, daqueles que fazem com que valha a pena torcer por eles. John Carpenter é um mestre inquestionável e seu cinema estabelece um padrão elevadíssimo da combinação qualidade+diversão. E só nos resta agradecer. Obrigado John Carpenter.
Belo texto, meu caro. A maioria dos filmes do Carpenter são marcantes. 😁
http://m.youtube.com/watch?v=kgHZubM7M-I
Muito obrigado, meus amigos! Fuga de L.A. também é demais. Carpenter sempre será um de meus diretores favoritos. Acho que chamá-lo de mestre é mais do que justo! Esse diálogo é mesmo sensacional mesmo gente! Valeu.