Ginger & Rosa - Review
Faz parte do crescimento pessoal aprender a lidar com perdas. Um pedaço da beleza da vida está na transitoriedade dos acontecimentos, no inesperado, nas surpresas esperando a cada esquina. No entanto, aceitar que há muito a ser aprendido mesmo nos momentos ruins é um processo que demora anos, e geralmente não é algo que se revela facilmente para uma jovem e inexperiente adolescente, por natureza sujeita à mudanças das mais diversas ordens que moldam sua consciência e seu caráter. Nesse sentido, a perda de uma amizade é uma das mais brutais consequências das diferentes escolhas que as pessoas fazem em suas vidas. Algumas coisas não podem ser controladas e pessoas ficam pelo caminho: isto é um fato. E cada um reage à isso de uma forma diferente, buscando lidar melhor com as inevitáveis mudanças em sua realidade.
Esta é a mensagem de "Ginger & Rosa", filme de Sally Potter que explora essa temática de perda e amizade feminina num mundo polarizado pela Guerra Fria, onde a ameaça de destruição total é a única constante na vida das pessoas. Interpretadas respectivamente por Elle Fanning e Alice Englert, Ginger e Rosa crescem na Londres de 1961 em meio ao medo do holocausto nuclear e a liberdade da Revolução Sexual. Ambas incorporam o aspecto rebelde da cultura beatnik dos anos 60: fumam juntas, pegam carona para todos os cantos e descobrem sua sexualidade, agindo do alto de seus 17 anos como personagens de Jack Kerouac.
Entretanto, com o fim da adolescência a consciência adulta começa de fato a influenciar nas mais significativas decisões pessoais de cada uma. Ginger abraça a causa anti-nuclear para salvar o mundo, enquanto Rosa encontra refúgio na religião e faz da busca pelo amor verdadeiro o principal objetivo de sua vida. Logo essa incompatibilidade de visões começa a rachar uma amizade que parecia indestrutível, e Ginger e Rosa passam cada vez mais a se verem não como melhores amigas, mas sim como estranhas uma à outra.
Como de costume, um drama focado em relações humanas precisa se apoiar em atuações críveis, algo que é um dos pontos fortes de "Ginger & Rosa". À começar pelo elenco coadjuvante, recheado de atores de qualidade como Anette Benning (Beleza Americana), Christina Hendricks (do seriado Mad Men) e Alessandro Nivola (A Outra Face), apenas para citar alguns. Nivola, em especial, entrega uma performance que serve como uma das forças motrizes da história. Na pele de Roland, pai de Ginger, o ator dá vida a um personagem profundo que aparenta segurança em suas convicções mas esconde sua covardia atrás de uma grande fachada ideológica e intelectual.
Valendo-se de argumentos extremamente liberais, Roland refuta sua condição de pai. Até mesmo a simples menção à essa palavra o causa arrepios ao evocar pensamentos de "um velho usando pantufas", imagem que representa sua repulsa à rotina que, segundo ele, acorrenta as pessoas. É essa a desculpa utilizada por ele para furtar-se de suas obrigações paternas, se limitando a agir como um tutor para sua filha ao estimular seus ideais pacifistas. Por este motivo, Roland é uma figura de grande importância para Ginger, uma espécie de porto seguro ao qual pode recorrer quando se sente sufocada pela auto-vitimização de sua mãe Natalie (Christina Hendricks), dona de casa frustrada. Mas esta postura também é raíz de problemas para a menina, e quando Rosa entra em jogo não demora muito para que a fachada de Roland comece a desmoronar sobre seu discurso vazio.
E é aqui que está o problema mais grave do filme. No papel de Rosa, Alice Englert (Dezesseis Luas) é sem dúvidas o elo mais fraco do elenco. A atriz entrega uma performance antipática, dando à Rosa um ar permanentemente debochado e blasé que torna difícil sua identificação com o público. Ao passo que é evidente a amizade quase devota que Ginger sente por ela, Rosa não parece se importar tanto com sua amiga, sempre buscando seus interesses em primeiro lugar, o que por sua vez torna a relação de ambas, onde deveria haver companheirismo recíproco, uma via de mão única. O maior problema de tudo isso é que Rosa deveria personificar a Revolução Sexual, um dos argumentos mais fortes do roteiro. Entretanto, sua personagem parece ser simplesmente uma garota arrogante que não tem nada de importante a dizer, com sua mensagem se perdendo na cacofonia silenciosa de uma atuação confusa que erra o alvo por quilômetros de distância.
Felizmente, Elle Fanning dá um show e rouba o filme todo para si. Sua Ginger é uma adolescente tentando lidar não só com todas as mudanças próprias de sua faixa etária, mas também com o fim do mundo iminente. Estes são tempos pós-Hiroshima e Nagasaki onde a destruição em massa não é apenas uma promessa mas sim uma realidade, onipresente nas constantes transmissões da BBC que anunciam projeções de mortos na eventualidade de uma catástrofe.
Nesse contexto, Ginger preocupa-se de verdade em "salvar o mundo", mas logo fica claro que sua real motivação para se entregar ao ativismo não são as bombas nucleares em si, mas sim as bombas que caem todos os dias em sua vida: sua mãe frustrada preocupada em sufocar sua liberdade e fazer da filha uma cópia carbono de si própria, seu pai que se recusa terminantemente a assumir esta função e, principalmente, o abismo crescente entre ela e Rosa. É esta a maior razão de sua angústia. A narrativa é vista toda através de seus olhos e por isso Ginger é a verdadeira protagonista do filme, que por sua vez só tem a ganhar ao deixar Elle Fanning confortável nesta posição. A interpretação de uma adolescente vivenciando diversas mudanças poderia facilmente descambar para o exageiro e o extremismo de um drama motivado puramente por razões hormonais, mas a performance segura e contida da atriz evita esse erro. Ao invés disso, Elle aproveita a chance para brilhar e entrega à Ginger um carisma e uma maturidade raras vezes vistas em uma atriz com 13 anos de idade, sacrimentando definitivamente Alice Englert no posto de sua coadjuvante.
Tudo isto também pode ser creditado à diretora Sally Potter, que também escreve o roteiro e assim compõe um drama com uma beleza singela. Embora seu filme se situe na década de 60, a diretora aproveita pouco de seu potencial fotográfico, em troca de planos fechados que se concentram na reação dos personagens. Um sacrifício que pode desagradar a alguns mas valeu a pena pelo ganho dramático numa história dessa natureza. A única coisa incompreensível é a insistência da cineasta em movimentar constantemente as câmeras para dar uma maior sensação de movimento à cenas focadas apenas no diálogo, o que por vezes incomoda bastante ainda que não tenha dado um prejuízo muito grande no resultado final. A composição sonora de seu filme também é muito interessante: não apenas a justaposição de informes da BBC contribui para a tensão, como também a trilha sonora é utilizada como verdadeira ferramenta narrativa. Exemplo: na cena em que Ginger recebe uma notícia chocante de Rosa, imediatamente soa um jazz nervoso de Miles Davis para evidenciar a cacofonia de pensamentos na mente da menina.
E assim "Ginger & Rosa" desponta como uma das melhores surpresas do ano no cinema. Com performances incríveis de seu elenco e em especial de Elle Fanning, o filme faz jus ao destaque que recebeu no Festival de Toronto de 2012, muito embora grande parte de sua força dramática se perca na atuação de Alice Englert. Ainda assim, o saldo final é positivo ao mostrar com delicadeza a forma que uma jovem adolescente arranja para lidar com a perda de uma grande amizade, inevitável consequência das escolhas de cada uma. Por esta razão, "Ginger & Rosa" pode não ser um filme com grande apelo comercial, mas agradará àqueles que buscam um cinema de reflexão acessível.
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