UMA HOMENAGEM DIGNA À UM DOS MAIS IMPORTANTES PERSONAGENS DA HISTÓRIA DO CINEMA
O monstrengo mais adorado do cinema assoprou 60 velinhas ano passado e ganhou de presente um remake para apresentá-lo às novas gerações. Se no clássico original de 1954 Godzilla surgia em meio à destruição do Japão pós Segunda Guerra como uma lembrança do horror que aquele povo sofrera naquele período, resultante da explosão das bombas de Hiroshima e Nagazaki, esta abordagem não mais surtiria efeito nos dias de hoje, dado o imediatismo e a imparcialidade imposta aos blockbusters de hoje. Este Godzilla 2014 deveria estar ligado a fatos históricos, mas não tomar partido de nenhum deles. Fica muito difícil analisar um filme oriundo de uma das mais longínquas franquias de todos os tempos do cinema, principalmente pela diferença cultural entre a abordagem japonesa, que leva em conta os aspectos culturais de seu povo, e a norte-americana, muito mais preocupada em entregar um produto rentável que agrade, portanto, uma maior parcela do público. Assim sendo, analisado sob o contexto atual, Godzilla 2014 superou minhas expectativas apagou – de certa forma – a lembrança da terrível versão de 1998 de Roland Emmerich que não só descaracterizou a história, como também a concepção do monstro.
Ora, serei franco. Não esperava nada deste filme a não ser acompanhar o lagartão destruindo o que estivesse em seu caminho e, de quebra, lutando contra algum outro monstrengo. Confesso que tanto americano no filme é chato e só temos o Ken Watanabe de japonês no Japão, mas aguardar ansioso para ver os primeiros passos de Gojira me fez relembrar bons momentos da minha infância. Que o roteiro (escrito por um monte de babacas sem talento e pelo excelente Frank Darabont) é tão ridículo de tão clichê e possui mais furos que coador de café, ninguém pode negar. Mas como o gênero Tokosatsu esta em alta após o muito bom Pacific Rim de Guilhermo Del Toro, e nem todo mundo é Guilhermo Del Toro, achei prudente pegar leve com o filme de Gareth Edwards. E Edwards opta, acertadamente, por não mostrar demais o monstro. E não me refiro somente à primeira aparição de Godzilla, mas também ao fato de mostrá-lo pouco mesmo, seja na penumbra ou em tomadas tremidas e desfocadas. E se M.U.T.O., o adversário de Godzilla neste filme, não chega sequer aos pés de um Bathra, Mothra ou Biollant (ou mesmo Gamera e King Kong, que já enfrentaram o lagartão oriental), a nova roupagem do monstro título agradou-me bastante (embora eu prefira aquela roupa tosca dos filmes japoneses).
Não se pode negar também a absurda falta de profundidade do filme como um todo. Erroneamente apostando em dilemas e dramas familiares mais rasos que prato de restaurante chique, que em nada colabora com o elenco fraco e nada talentoso, onde Watanabe e Bryan Cranston se destacam de forma mais do que assustadora, embora o segundo seja retirado de cena repentinamente justo quando tomava conta da tela. Ainda espero e torço veementemente para que alguém tenha a capacidade de um dia realizar uma obra sobre Godzilla que reúna uma apurada parte técnica com a profundidade e o simbolismo que o universo Godzilla possui (quem sabe Ang Lee, Kenneth Branagh, J.J. Abrams ou até mesmo o próprio Del Toro). Com o passar do tempo, Godzilla tronou-se tão popular que passou a ser visto como uma espécie de herói de uma geração, sempre salvando a Terra de outros monstros, como um paladino da Natureza. Mas talvez seja hora de recolocá-lo sob uma nova perspectiva. Godzilla é um símbolo de um dos acontecimentos históricos mais importantes e assustadores de uma das mais importantes e ricas nações do mundo e deve ser tratado como tal. Não à toa os momentos mais legais do filme, envolvendo humanos, são aqueles em que podemos perceber o respeito e a admiração de personagem de Ken Watanabe pelo monstro.
Godzilla 2014 não remete quase nada aos melhores filmes do icônico personagem, mas também não é de se jogar fora. Acho que muitos acabaram por se interessar em buscar os filmes antigos para conhecer melhor a mitologia em torno do monstro e se o fizeram, estão de parabéns. Espero que a já anunciada continuação agregue ainda mais e aprenda com os erros do odiado filme de Emmerich e com este filme de Edwards que, apesar de bastante irregular, possui algumas qualidades.
Porra, nem citei a excelente abertura com uma montagem excepcional e a magnífica trilha de Alexandre Desplat...demais!!