Poucas vezes o cinema viu assassinos tão eficientes e bem explorados quanto Michael Myers. Dentre os diversos fatores que compõe o sucesso crítico e comercial de Halloween – A Noite do Terror, talvez sejam a onipresença e a composição onírica (os atributos de um pesadelo) de seu assassino os mais importantes. John Carpenter não se preocupa em elaborar uma trama complexa ou usar muitos artifícios para desafiar o intelecto do público, não, ele apenas concentra seu filme numa figura implacável e temível de assassino e na sua capacidade como contador de histórias.
Numa pequena cidade no interior dos Estados Unidos, houve, num dia das bruxas (halloween), um chocante caso de assassinato no qual uma criança assassinou a própria irmã mais velha a sangue frio. 15 anos mais tarde, na véspera do dia das bruxas, esse jovem (Michael Myers) escapa da instituição psiquiátrica na qual é tratado, e dentro da qual jamais proferiu uma palavra nos quinze anos nos quais esteve internado, e retorna para sua cidade natal, onde persegue uma jovem nerd (Jamie Lee Curtis) e seu grupo de amigas adolescentes. Ele é seguido até a cidade pelo seu médico, Dr. Sam Loomis, que tenta, inutilmente, avisar as autoridades da cidade sobre o perigo ao qual estão expostos. Carpenter faz pelo menos duas homenagens claras ao clássico de Hitchcock, Psicose: o nome do médico, Sam Loomis, que coincide com o nome do namorado de Marion Crane no clássico de 60; e a própria escalação da ainda desconhecida Jamie Lee Curtis no papel principal, filha da atriz Janet Leigh, que interpretou Marion Crane em Psicose.
Halloween além de ser um exercício do medo – o filme mantém seus sustos e sua atmosfera sufocante mesmo tendo sido copiado até a morte com os anos –, é também, e acima de tudo, um brilhante exercício de estilo praticado por John Carpenter. Tudo, nesse aspecto, é impecável: a direção, com seus admiráveis planos-sequência e seus ângulos de câmera cuidadosamente planejados para revelarem apenas o que deve ser visto naquele momento; a trilha sonora, no melhor estilo Goblin/Dario Argento, sendo uma das protagonistas do filme e fundamental agente da tensão; e a fotografia maravilhosa – recomendo inclusive a (re)visão do filme em Blu-Ray, todo trabalho visual é incrivelmente bem feito, ainda mais considerando que esses filmes de terror “B” dos anos 70 e 80 contavam com orçamentos ridículos.
Na minha mais recente revisão (quando adquiri o filme em Blu-Ray), mais do que nunca, fiquei abismado com o gigantesco plano-sequência inicial todo em câmera subjetiva. John Carpenter realmente fez o dever de casa ao estudar a origem recente do subgênero Slasher – origem essa incutida nos filmes giallo da década de 70, como Banho de Sangue ou Prelúdio para Matar, por exemplo – para montar o exemplar americano definitivo do subgênero, estabelecendo permanentemente suas regras intransponíveis e limitações religiosamente obedecidas no futuro.
A habilidade narrativa de John Carpenter é aproveitada de forma genial em Halloween – A Noite do Terror. Desde o início do filme, período mais introdutório, ele vai estabelecendo a atmosfera de terror associada claramente a dois elementos: a música tema e a presença de Michael Myers. Dessa forma ele cria essa lógica (música tema = presença do assassino) no início para depois explorá-la ao máximo para aumentar a tensão nos eletrizantes minutos finais. A construção da figura do assassino é tão sólida já no início da trama que o diretor opta, em diversos momentos, por apenas mostrá-lo parcialmente e, mesmo assim, sua presença ainda é evidente.
O roteiro explora de forma inteligente a ocasião do Halloween para mistificar seu vilão e, de certa forma, até justificá-lo (ainda que não racionalmente, o que não é necessário). As recorrentes associações ao “bicho papão” contribuem para torná-lo mais ameaçador e ajudam a compor um final bem interessante. A incompletude do filme não é desleixo, pelo contrário, é um ótimo toque que dá a ideia de terror interminável e constante, pois, como dito “não é possível matar o bicho papão”.
Em meio a homenagens e reciclagem de ideias e artifícios, John Carpenter faz uma verdadeira obra prima do terror que, de tanto tomar outros clássicos como parâmetro, acabou estabelecendo novos parâmetros para futuros clássicos do gênero (como o genial Pânico, que ao mesmo tempo homenageia e parodia esse e outros famosos filmes Slashers). Um detalhe interessante de se observar é que, em meio ao seu festival de referências, Carpenter mostra fragmentos do filme O Monstro do Ártico (The Thing, 1951, de Howard Hawks) passando na TV, curiosamente ele mesmo filmou a sua versão da obra 4 anos depois do lançamento de Halloween, recebendo o título nacional de O Enigma de Outro Mundo (The Thing, 1982, de John Carpenter).
Ótimo comentário! Concordo com absolutamente tudo (inclusive a nota!).
John Carpenter é foda! Não assisti todas as sequências, mas as que vi não se comparam a este 1º capítulo... O remake do Zombie eu gosto também...
Ótimo texto, adoro muito esse filme!
Os diretores desses péssimos slashers atuais parecem que não assistiram a esse clássico do Mestre.