Existe um espiral sem fim dentro do ser humano que se baseia naquilo que sentimos em relação aos outros ou ao mundo, esse oceano profundo e infinito de emoções é aquilo que nos faz ser quem somos. Independente de suas conquistas, tal vazio é parte constante do ser humano, um abismo na qual aprendemos a conviver, e por vezes, devido à grandes decepções proporcionadas pelo nosso cotidiano, falta de oportunidades ou o acaso sombrio que permeia a morte, tal abismo passa a nos consumir.
Por várias vezes na história do cinema, esse sentimento foi abordado, criando obras depressivas que transbordavam beleza. Yasujirō Ozu por exemplo (para citar apenas um nome), tinha a capacidade de olhar para tal escuridão do cotidiano e recriar, através da sétima arte, histórias incríveis com personagens que estão em constante contato com esse espiral sem fim.
Takeshi Kitano já havia se integrado no mundo cinematográfico 8 anos antes desse seu trabalho, com ‘Policial Violento’ em 1989 e já contava com uma versátil filmografia, passeando pelo experimental (A Scene at the Sea), pela comédia (Getting Any? ), pelo drama (Kids Return ) e claro, pelos filmes de Yakuza (Boiling Point e Sonatine). Mas foi somente em 1997, com Hana-Bi: Fogos de Artifício que Kitano viria a ter seu trabalho reconhecido mundialmente, condecoração que levou seus antigos trabalhos a serem reavaliados pelos críticos. Parte disso, se deve ao fato de Kitano ter ganho o Leão de Ouro (em italiano: Leone d’Oro), que é o galardão máximo concedido pelo júri do Festival Internacional de Cinema de Veneza (Mostra Internazionale d’Arte Cinematografica), pelo seu trabalho em Hana-Bi, onde ele escreveu, dirigiu e atuou.
“Depois de passar por um trauma e ver seu melhor amigo parar na cadeira de rodas, o policial Nishi decide deixar a força para se concentrar em sua esposa, que possui uma doença em estado terminal.” Até mesmo essa sinopse simples já traz uma das grandes sacadas de Kitano, o minimalismo. Hana-Bi conta com ideias subjetivas que sempre estiverem presentes na sua carreira cheia de registros regressistas.
Mesmo não sendo tão abstrato quanto ‘A Scene at the Sea’, Hana-Bi esbanja um sentimento etéreo, com um olhar impalpável sobre as relações de Nishi, com uma câmera de pura leveza que vive em contraste com a violência. E mesmo em seus momentos mais extremos, Hana-Bi consegue a proeza de permanecer imutável.
Durante essa jornada finita de decisões feitas no ápice desse furacão composto de sentimentos depressivos, Hana-Bi abre espaço para outros dois personagens brilharem. Horibe (Ren Osugi) que não precisa expressar por meio de palavras toda sua solidão. Basta a simples imagem de suas pinturas, e tudo é exposto de forma mais profunda do que qualquer palavra poderia expor. As pinturas que compõe os sentimentos é como a arte dentro da arte. Se Horibe é o primeiro de dois personagens que brilham além de Nishi, o segundo é a música de Joe Hisaishi. A sintonia dos trabalhos dos dois (Kitano+Hisaishi) é quase sobrenatural.
Talvez palavras não sejam o bastante para expor o impacto que Hana-Bi me causou. Esse contato com a arte pode abrir os olhos de muitos para a pintura, para a música e para o próprio cinema de arte! O silêncio também é uma característica que compõe essa jornada morro abaixo na estrada da vida, daqueles desafortunados o bastante para se encontrar de frente com o abismo que habita os nossos corações.
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