Quando se trata de um filme biográfico, parece que, certamente, seu melhor analisador seria alguém que tivesse grande conhecimento sobre a vida (e obra) do biografado. Ledo engano, afinal é possível, e se faz, uma análise de qualquer filme adaptado de uma obra literária sem tê-la lido. Isso é possível por uma razão simples: não se pretende fazer um estudo comparativo. Ao olhar para “Hannah Arendt” – o filme –, bastante ignorante sobre Hannah Arendt – a pessoa –, todos equívocos cometidos em sua análise devem ser julgados com cuidado, pois estarão, invariavelmente, se referindo a um ou a outro.
“Tentar entender não é o mesmo que perdoar”. Essa frase, dita no último discurso da personagem Hannah Arendt, sintetiza (ou explica) toda polêmica retratada no filme em torno da filósofa de origem judia. Decidida a assistir o julgamento de Eichmann, depois escrever sobre ele, a filósofa chocou a todos com sua teoria sobre a personalidade de um dos grandes chefes nazistas. Basicamente – e com medo de parecer demasiado simplista – pode-se dizer que o âmago da história é a ideia controversa apresentada por Arendt.
Nesse sentido, o filme de von Trotta apresenta um inegável acerto, pois, enquanto assistimos ao filme, nos vemos imergidos num mar de ideias, reflexões, sensações e opiniões da filósofa e de seus discordantes. Na verdade, pode-se dizer que é possível “tentar entender” os dois lados (ouso dizer que se entende).
Mas aquele parece ser o único acerto relevante (que não é pequeno, entenda-se); a dificuldade de construir um perfil da protagonista em outros aspectos – o relacionamento amoroso com Heidegger, a experiência num campo de intervenção nazista, sua relação com o marido, amigos, com a (inexistente?) família – faz com que não tenhamos um filme sobre uma “pessoa”, mas sobre uma opinião que ela defende.
Assistimos às cenas com a sensação de que todas são, de alguma forma, conversas sobre o mesmo tema: a opinião de Arendt sobre Eichmann (será por isso que a primeira cena do filme é a captura de Eichmann?). Suas conversas com amigos, colegas, marido, até suas lembranças de Heidegger parecem ser esculpidas de modo a ter alguma relação com a construção e, depois, defesa de sua teoria. Nesse sentido, ouso dizer que o nome do filme parece muito amplo (ainda mais por ser biográfico) para algo que relata basicamente um episódio da vida de uma personalidade.
Talvez haja quem diga que falte “ação” ao filme – são inúmeras conversas, quase sempre em recinto fechados, com um tom meio sépia – mas ver isso como demérito é equivocar-se. Por mais ilógico que pareça, os “erros” do filme nasceram por causa de seu “acerto”, corrigi-los exigiria uma habilidade cinematográfica que talvez a sua diretora ainda não dispunha.
A exploração (e, por que não, o esclarecimento) da teoria de Hannah Arendt sobre Eichmann, bem como as opiniões contrárias, merece seu reconhecimento. Pode-se dizer que o filme vale como sugestão para aqueles que quiserem conhecer um pouco sobre Hannah Arendt. No entanto, ao se indicar esse filme, deve-se dizer que quem o assiste conhece um pouco sobre uma teoria de Arendt, não exatamente sobre sua autora.
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