Vencedor do Urso de Ouro na 63ª edição do Festival de Cinema de Berlim, Mãe e Filho é o exemplo da vitalidade e versatilidade que caracterizam o Cinema romeno, e da forma como os temas humanos clássicos podem ainda adquirir um novo fôlego no grande ecrã.
Cornelia (Luminita Gheorghiu) é uma sexagenária infeliz que tem um filho, Barbu (Bogdan Dumitrache), de 34 anos. Ele luta para ganhar a sua independência, e evita o contacto com a mãe tanto quanto possível. Contudo, quando Cornelia descobre que ele esteve envolvido num trágico acidente de automóvel, o afastamento do filho é esquecido e a mãe fará tudo para o salvar da condenação. Mas será que Cornelia conseguirá perceber que está na altura de libertar o filho da sua dependência?
Mãe e Filho é por isto mesmo um drama sobre a relação tensa e provocatória entre estas duas personagens, e uma história de famílias, paradoxos e desencantos em relação à vida e às expectativas que os pais criam dos seus filhos… e vice-versa. Não estamos perante um filme cheio de suspense e reviravoltas surpreendentes – este é o retrato mais simples e puro das angústias humanas, que não se deixa enganar pela própria arte cinematográfica, visto que aqui vemos um duro registo realista de acontecimentos infelizmente banais e fáceis de serem identificadas com o nosso dia a dia.
O filme realizado por Calin Peter Netzer não pretende ser mais do que uma exposição de realidades humanas, e dos pontos de colisão e (pouca) união entre duas pessoas cujos laços nunca poderão ser quebrados, apesar do afastamento físico. E dentro destas humildes intenções, Mãe e Filho sai vencedor por saber explorá-las extremamente bem, recriando a frieza da delicada problemática abordada através do talento dos atores e pelo argumento certeiro e concreto.
Este não é um filme que quer ir mais além das suas capacidades, nem há a intenção de ilustrar algo novo ou pouco visto no Cinema. Mas a Arte, tal como a vida, é feita das suas repetições, que acabam sempre por funcionar quando se sabe dar a volta ao que o espectador já conhece. E dentro da sua história repleta de elementos usados e abusados nas narrativas cinematográficas, Mãe e Filho destaca-se por não ser apenas mais uma simples fita pouco criativa, já que as relações humanas são aprofundadas com o auxílio das emoções mais tristes e bonitas, tão bem captadas pelo elenco.
Há apenas uma única coisa que danifica Mãe e Filho e as suas pequenas e tão características simplicidades: o trabalho de câmara. Irritantemente documental, inconsistente e descontrolada, a condução das imagens prejudica em parte o ambiente que a história pedia e que a abordagem tentou a todo o custo concretizar, criando uma certa monotonia que, ironicamente, fica associada aos movimentos excessivo da forma de filmar.
Não é preciso ter medo dos planos fixos, pois estes não fazem mal a ninguém, e ainda há por este mundo muitas alminhas que não procuram filmes apressados e com montagens aceleradas, desejando encontrar, no encanto da sala escura, um espaço livre para contemplarem o ecrã e reflectirem o poder das fitas tal como elas devem ser apreciadas. Pode não ser um mal fulcral do filme, mas dá a sensação que, com uma câmara mais calma e “quieta”, tudo o resto poderia ter saído um pouco mais valorizado.
Mãe e Filho é uma obra de causas nobres, que não se fica apenas por retratar as discussões constantes entre as duas personagens, e as dúvidas que todos têm uns dos outros. Há aqui uma análise social e psicológica que tem de ser vista e compreendida, e que passa pelas razões da Mãe em proteger tanto o filho: por vezes sentimos que é o instinto maternal e familiar que está a atuar, mas noutras ocasiões, entendemos aquela atitude como algo manipulatório e interesseiro, atribuindo à Mãe uma faceta frágil e perturbante, não deixando Barbu ganhar totalmente a sua independência.
Talvez tenha sido este lado mais fascinante a justificar tanta aclamação e premiação, porque são poucos os retratos do Cinema contemporâneo que pegam nos pequenos nadas da existência humana e que, ao mesmo tempo, conseguem ser tão relevantes e complexos. E não precisamos de nenhum plot-twist ou de um final que dê a volta à cabeça do espectador: a mais pura e dura realidade faz todo esse trabalho mental.
Apesar de constituir uma das vagas cinematográficas mais versáteis da modernidade, são raras as fornadas de estreias que trazem para o público português alguns títulos feitos na Roménia. Mas felizmente, ainda conseguimos descobrir algo como Mãe e Filho, poderosa revelação da deterioração das relações familiares no caos tecnológico e imoral do nosso tempo. Temos em mãos um drama “caseiro” com toques cautelosos de thriller, que suscita várias outras questões delicadas (e, por isso, não só ficamos pelo debate gerado pelo trágico acidente, que conduzirá a um destino completamente fatal e ainda mais negro ao contacto entre os dois protagonistas), que segue vários caminhos e nos faz ficar perdidos na imensidão de opiniões e de interesses que ficam em jogo.
Um filme forte e uma história de vidas separadas que só se reencontraram por causa de uma tragédia, Mãe e Filho consegue embarcar ainda uma análise soberba à ruína dos laços familiares (que nunca desaparecem, apesar de tudo e para o bem e para o mal) e às maneiras que cada um utiliza para suportar ou contornar essa decadência. Pode não ser uma das obras mais brilhantes do ano, mas é sem dúvida uma das mais reveladoras, por mostrar o que é ser-se um membro de uma comunidade, de uma família em particular… e da Humanidade.
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