Robert F. Kennedy (Peter Sarsgaard), irmão de Kennedy e grande amigo de sua esposa, em determinado momento branda: "Não devia ter exigido tanto dele.. A história é cruel", alguns anos depois e ele estaria morto, de uma forma bastante semelhante como a do famoso irmão, o assassinado ex-presidente. É dessa maneira que Pablo Larrain gosta de delimitar seus filmes, com personagens na beirada de suas capacidades, passando sempre no risco de serem cortados profundamente pela incisiva política e a memória histórica. E é com a memória que Larrain mais se sai bem, desde a direção de arte detalhista aos vestuários da primeira-dama até o impasse em que a mesma se encontra: como lembrarão de seu marido? Uma semana após o assassinato, a uma famosa entrevista para a revista Times, Jacqueline Bouvier Kennedy se questiona se o que escrevem nos livros de história são fatos por realmente serem ou pelo motivo de alguém os ter escrito. Jackie é uma figura com medo: desconfia da arma de brinquedo que seu filho ganha no aniversário, temor do sangue de seu marido espalhado por sua face e misturado à lágrimas, medo de não voltar a ter uma vida longe da escuridão da experiência que vivenciou e medo do que os futuros livros escreverão sobre ela.
A verdade é que Jacqueline Kennedy nunca foi apenas um rosto bonito, de ícone da moda até graduada em literatura francesa, suas comparações chegaram até Michelle Obama, por sua força como figura feminina. Casou com o então senador Kennedy enquanto era jornalista por capricho da mãe, afinal ele era um homem mais endinheirado e poderoso do que seu outro pretendente. Durante sua vida de primeira-dama passou por países como Paquistão e Índia, dando enfoque na poderosa nação que era os Estados Unidos e na cultura dos países visitados, quase como uma ministra de relações exteriores, era fluente em espanhol e italiano. É simplesmente essa mulher que está sendo representada por Portman em tela, que teve uma grande preparação de gestos e sotaques para o papel, afinal é uma figura e tanto.
Os 4 dias depois do assassinato são apresentados por uma fotografia semelhante a No (2012), do mesmo diretor, porém menos envelhecida (vintage), com belos usos de alaranjados do sol e de luz natural, de forma muito semelhante a filmes como Amor Pleno (To The Wonder, 2012) e Knight of Cups (2015) do texano Terrence Malick. De resto não compartilho da opinião de muitos que Portman ou Larrain não conseguiram responder quem ou o que foi Jackie - coisa que um documentário poderia responder melhor, mas não exatamente; porque seu enigma, sua carapaça de resistência nunca passou despercebida nem por seus filhos, que em determinado ponto de sua vida denunciaram a uma professora que a sua mãe chorava muitas vezes durante o dia. Toda a sua fraqueza é colocada de forma sutil e seu personagem é trabalhado nos mínimos detalhes: do que a história deve pensar de Kennedy, do que será seu tão incerto futuro, de sua relação com o cunhado, do funeral do marido, de sua estadia da casa branca.. Nem mesmo a atual ascensão das séries de tv poderiam lidar com tanto em tão pouco tempo, e como cinema Jackie faz sua parte apresentando uma figura histórica e o seu recorte no tempo. Dessa maneira o roteiro trabalha com lapsos que poderiam gerar apenas uma cena cada: a gravação da reforma feita pela primeira-dama na Casa Branca, o tiro, sua conversa com o padre, sua entrevista e o arco dramático mais importante e abrangente, os quatros dias em que Jackie esteve nos holofotes do mundo inteiro.
Quem foi Jackie antes (a jornalista ambiciosa, a moça burguesa e culta) e quem ela será depois (mulher de um magnata grego e preservadora da arte) são questões que não são abordadas, e nem deveria ser, mas que de certa forma estão lá, fervendo dentro dela, entre passado e futuro. Por isso filmes biográficos exigem às vezes algum conhecimento ao menos superficial do indivíduo tratado, ao se conhecer os acontecimentos mais importante na vida dessa mulher, cada plano se torna uma cena a ser desvendada. Mas a verdade é que o povo americano ainda não escolheu definitivamente quem foi Jackie Kennedy para eles, de ex-primeira dama marionete a ex-primeira dama intelectual, de mãe de 2 filhos e mãe de toda uma nação, de descuidada ao ser fotografada nua enquanto tomava banho de piscina nos anos 70 a ícone fashion, Jackie seguirá sendo uma incógnita mesmo no solo em que foi gerada (certa frieza com que o longa foi recebido por parte da sociedade estado-unidense reflete isso). Sua época foi demasiado conturbada, e se de tão conturbada (Crise dos Mísseis, Guerra do Vietnã, Guerra Fria..) que foi, a ponto de deixar o homem mais poderoso do mundo em cacos, imagine-se para uma mulher em plenos anos '60. Talvez ela tenha conseguido o seu máximo.
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