“Você era a nossa missão desde o começo. O plano sempre foi te salvar. Metade dos tributos estavam envolvidos. Essa é a revolução. E você é o tordo.”
A qualidade que mais havia me chamado atenção em Jogos Vorazes, primeiro filme adaptado da saga escrita por Suzanne Collins, foi o sentimento de urgência que permeava toda sua duração. Ao contrário de boa parte das aventuras que surgem nos cinemas semana após semana, era realmente difícil prever se todos os personagens aos quais nos afeiçoávamos ao longa da produção chegariam ao fim do filme – e se sim, como chegariam. É ótimo, então, constatar que essa urgência não só se manteve na continuação, Jogos Vorazes: Em Chamas, como foi ampliada. Assim, quando novamente acompanhamos Katniss (Jennifer Lawrence) e Peeta (Josh Hutcherson) prontos para mais um combate nos Jogos do título, logo percebemos, através de uma cena breve, mas importante, onde todos os competidores dão as mãos em sinal de união e protesto, não demoramos a descobrir que o filme não irá apenas reaproveitar a estrutura que deu certo anteriormente, mas usá-la para ampliar seu escopo dramático e suas ambições.
Tudo é mais urgente em Em Chamas. Agora não são apenas os protagonistas que correm perigo de vida, mas todos à sua volta. Assim, não surpreende que ao vermos Effie (Elizabeth Banks) selecionar os tributos da versão dos Jogos que reunirá um casal de vencedores de cada Distrito em um novo combate, para lembrar que nem os mais poderosos podem desafiar a Capital comandada pelo frio e ameaçador Presidente Snow (Donald Sutherland, em atuação inspirada, conseguindo transformar um elogio em ameaça através de sua imponente voz), a personagem surja melancólica e cheia de pesar ao anunciar os nomes, em um contraste com a cena do filme anterior onde promovia um show onde era a única a surgir sorrindo e alheia ao sofrimento dos presentes.
Dito isso, não surpreende que o triângulo amoroso vivido por Katniss, Peeta e Gale (Liam Hemsworth) seja um elemento de menor destaque na produção, ao contrário do que muitas obras que investem no público jovem parecem preferir. A mensagem é clara: há coisas mais importantes naquele cenário do que se preocupar com namorados. Não que a divisão de Katniss entre os dois jovens não seja interessante, pois gostamos daquelas três figuras e sabemos que nenhuma delas irá merecer a inevitável mágoa que se avizinha – isso, claro, supondo que todos estarão vivos ao fim da saga. Mas quando paramos para nos preocupar com o efeito que um beijo sincero entre Katniss e Peeta terá sobre o outro interesse amoroso da jovem, logo lembramos que, hey, isso pouco importa naquele momento, já que uma guerra entre a Capital e os Distritos está para estourar.
Assim, voltam os temas discutidos em Jogos Vorazes, mas dessa vez com uma abordagem ainda mais madura. Seja o totalitarismo exercido pelo governo da Capital, onde mesmo uma figura popular como Katniss não escapa de um soco ao desafiar um oficial, seja no poder de manipulação/alienação da mídia, mais uma vez peça-chave nos planos de Snow, seja na transformação de um massacre em evento a ser aplaudido, seja nas tentativas de difamação de Katniss e sua imagem de esperança passada aos Distritos. E se no filme anterior a sobrevivência própria parecia o mais importante para cada um dos competidores dos Jogos, é interessante notar como a situação atual de Panem os torna seres muito menos egoístas, percebendo que para os seus planos darem certo, o sacrifício da própria vida passa a ser algo aceitável desde que uma peça mais importante saia viva da situação. Assim, ainda que novamente os carreiristas de alguns Distritos mais abastados se tornem os “vilões” ao buscar eliminar os outros competidores – algo que estabelece o conceito de que, por sua sobrevivência, qualquer pessoa pode se tornar um animal selvagem, já que ignoram a própria ação das mãos dadas feita momentos antes -, a luta é muito mais entre Capital e competidores (Distritos), algo simbolizado pela ameaça muito maior das armadilhas implantadas por Snow e o novo organizador, Plutarch Heavensbee (Philip Seymour Hoffman), do que pelos carreiristas em si.
Mais uma vez exibindo um design de produção interessante, que traz até mesmo as cores antes vivas e chamativas de Effie drenadas e melancólicas, Em Chamas é ainda beneficiado pela troca de seu diretor (sai Gary Ross, entra Francis Lawrence), que exibe um cuidado muito maior com sua mise en scène, o que fica claro quando as sequencias de ação, mesmo se passando a noite se tornam claras e compreensíveis, algo que Ross foi incapaz de fazer nos minutos finais do filme anterior. Além disso, vale notar como a trilha sonora de James Newton Howard surge muito mais eficiente aqui, em especial pelo uso certeiro do tema central da série, que evoca o canto de um tordo e surge como símbolo da esperança representada por Katniss.
Estrelado por um elenco afiado, que além de trazer Lawrence e Hutcherson mais a vontade como o casal protagonista traz Sutherland como um vilão a altura do título (apesar de ser incompreensível como um personagem que parece tão inteligente arma sua própria armadilha ao obrigar o uso de um vestido de casamento em um entrevista, ora, nenhuma situação favorável poderia vir daquilo), Em Chamas ainda recebe a valiosa adição do sempre ótimo Philip Seymour Hoffman, que mesmo com pouco tempo de tela confere o peso necessário a Plutarch (e é ótimo perceber que o personagem deve se tornar mais importante no próximo filme). Além deles, mais uma vez vale destacar Woody Harrelson, que como o ex-vencedor dos Jogos, Haymitch, se mostra uma das figuras mais interessantes da narrativa, sempre bêbado em função dos traumas passados – e é interessante notar como Peeta e Katniss começam a exibir traços desse trauma, o que torna perfeitamente compreensível a situação atual de Haymitch.
Encerrando de maneira a indicar que seja o que for, o que está por vir tornará tudo ainda mais sério e interessante, Em Chamas nos faz antecipar com um sorriso o próximo passo de uma história que se torna gradativamente melhor. E o fato desse sorriso logo se tornar uma preocupação com o destino dos personagens é mais um indicio da qualidade da série.
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