Um dia um crítico escreveu acerca de Jules e Jim (Jules et Jim, 1962) e disse o seguinte: “Nunca vejam Jules e Jim dublado. A narração de François Truffaut é o som do vento que acaricia e faz um mundo desaparecer e outro aparecer em seu lugar”. Está aí talvez o mais importante no filme. A narração em tom documental de Truffaut. E basicamente é com essa narração em off do próprio diretor que somos transportados ao mundo de Jules e Jim. Como um intrometido lendo um diário, o locutor nos conta de maneira deliciosa a estória desses dois jovens, um francês e um alemão, apaixonados pela mesma mulher.
Dos expoentes mais clássicos da nouvelle vague – aqui falo tanto de Truffaut quanto de Jules e Jim – temos um filme muito mais preocupado com o enredo do que os demais acompanhantes de seu movimento. Se Resnais primava pelos diálogos e Godard pela montagem, Truffaut buscava aqui, acima de tudo, contar uma estória. Aliás, uma estória longe de ser das mais simples, tanto do ponto de vista emocional e quanto no quesito interação entre personagens. Não que o diretor se esqueça da montagem característica do movimento que participava, ou dos diálogos escorregadios dos personagens da época. É que aqui o foco mesmo é a estória. A história. E o amor. Ou os desejos, tanto faz.
Acompanhando desde o momento em que Jules (Oskar Werner) conhece Jim (Henri Serre), ou vice-versa, o filme segue a amizade dos dois jovens, que resiste à guerra, e ao mais difícil, o despeito em torno de uma mulher. De lados opostos no front, ambos não seguem o mesmo caminho no amor. Pelo contrário, fogem de uma cartilha ciumenta que separa amigos, e alternam seu amor por Catherine (Jeanne Moreau).
Nesse enredo de amor tão pouco convencional, não cabe espaço para falso moralismo. Jules ama Catherine. Catherine ama Jim. Jim ama Catherine. Catherine ama Jules. Tudo isso em instantes diferentes, dependendo do humor dela. Mas que se dane, o importante mesmo é o amor e o laço estabelecido entre eles. Há até espaço para Jim amar Gilberte (Vanna Urbino) e Catherine amar Albert (Boris Bassiak), personagens secundários de seu círculo, que agem como estrangeiros no eixo desse triângulo amoroso.
É possível também analisar a obra da ótica de Platão em relação ao amor. Se para filósofo grego, amor é desejo – apenas a vontade, que quando realizada se desfaz –, Catherine segue esse modo de amar. Ela deseja Jules, fica com ele e logo se entedia. Volta os olhos para Jim e o mesmo acontece assim que o conquista. E assim roda de um para o outro. Nem ela parece entender esse processo. Porém, se desgasta com ele e parece recriminar seus atos através de suas mudanças de humor. Catherine é a pura contradição de um sentimento tão belo por ser exatamente assim contraditório.
Além do amor relacionado à paixão, a obra traz em si uma grande homenagem ao amor fraternal. Seja entre os dois homens, seja na forma também do amor fraternal que acompanha a paixão do casamento. A guerra separa Jules e Jim, os coloca de lados opostos, mas a consagração vem no texto de Truffaut, que diz basicamente isso: “Um deles estava no exército vencedor, outro no derrotado, porém os dois saíram vencedores por estarem vivos”. Esse momento, assim como tantos outros ao longo do filme, destaca que a influência externa nunca é suficiente para abalar a verdadeira amizade.
*Texto escrito originalmente para o blog Cine Alphaville.
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