Polêmico, pesado e curiosamente divertido em vários momentos é como procuro definir um dos clássicos de Stanley Kubric. Após ver a quantidade de comentários a cerca de tal obra postados aqui mesmo no Cineplayers decidi falar sobre algo um pouco diferente, analisar o longa com relação ao livro de Anthony Burgess. Mas tentarei evitar uma comparação interminável, só gostaria de comentar algumas coisas que Kubric poderia ter aproveitado bem mais para enriquecer a trama.
É evidente que a estética dos filmes do diretor é extremamente detalhista, bem como a interpretação dos atores é de alto nível (ponto para Patrick Magee e sua atuação memorável). Mas houve várias cenas que perderam o impacto talvez pela tentativa de um humor mais irônico e exagerado. Um exemplo disso é a parte em que Alex reencontra os pais em seu antigo apartamento, no filme não fica tão claro que os pais não o querem em casa, foram suprimidos detalhes como a mãe chorando quase o tempo todo (tristeza em ver o filho ser um monstro e não poder ajudá-lo), o diálogo colocava o leitor a par do fato do adolescente não ter mesmo para onde ir porque os pais estavam se importando demais com o dinheiro do aluguel. No longa, a tensão de abandono gerou apenas uma sensação cômica e irônica pelos motivos que o colocaram de casa pra fora.
Situações como a citada acima podem parecer meros detalhes, mas é muito importante que saibamos reconhecer o objetivo da história e a força que pode ter se bem contada. A existência de tanta violência na trama não serve apenas para chamar a atenção dos leitores e nem do telescpectador. Há dois caminhos que podem ser observados nas obras: a crueldade de Alex e a crueldade contra Alex. São coisas totalmente diferentes, mas que precisavam ser bem exploradas.
Infelizmente, no quesito violência contra Alex, a obra de Kubrik perde um pouco do fôlego. E isso implica num grave problema de adaptação porque a primeira parte (onde o protagonista ainda é livre) foi bem trabalhada, porém o final ficou comprometido. A verdade é que toda a história é feita de camadas já demasiadamente exploradas em muitos textos sobre filosofia, política, psicologia, sociologia, etc. O que proponho é que tentemos analisar do ponto de vista da vida do protagonista, sua conclusão nos induz a pensar que, mesmo ele cometendo barbaridades, houve como se safar. E isso pode ter dado margem para aquela situação em que o próprio diretor teve que retirar o longa de circulação na Inglaterra (talvez para evitar má influência de jovens com tendência à marginalização).
Para quem leu o livro, fica muito óbvio a suavização dos atos brutais cometidos contra Alex na prisão. No filme, ele só leva alguns murros, porém na obra de Burgess o que não faltou foram policiais agredindo o rapaz, além de tentativas de estupro contra o mesmo (partindo de presidiários). Será que Kubric amenizou a situação para evitar atritos? não importando o motivo, a realidade é que no filme Alex não sofre o suficiente para compensar (pelo menos na mente de quem assiste) os crimes cometidos antes de ser preso, raros são os momentos em que é possível sentir pena dele (algo bem aprofundado em todo o sofrimento de Alex na literatura), sentimento esse importante para que sua trajetória também termine com uma diferença do ponto inicial e evite a impressão de que o rapaz quase não sofreu.
Antes de concluir, gostaria de citar um acréscimo que Kubric fez à trama. Torna-se curioso o motivo que o diretor teve para acrescentar detalhes de teor homossexual. No livro, isso quase não ocorre. Mas o próprio título A Clockwork Orange foi retirado de uma gíria cockney: "as queer as a clockwork orange", uma expressão que significa algo de muito estranho (quase sempre de cunho sexual: queer, em inglês, significa ao mesmo tempo estranho e homossexual). Pois é, essa origem do título consta no prefácio do livro de Burgess. Talvez Kubric tenha notado que a trama poderia apresentar mais referências ao assunto se vista de outro ângulo.
Independente das diferenças entre livro e filme, é inegável que ambos adquiriram potencial para o sucesso e Kubric soube adaptar 90% de tudo com maestria, juntamente com uma equipe (especialmente de trilha sonora, direção de arte e elenco) muito competente.
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