‘A verdadeira história de uma vida perdida e encontrada’.
Saroo (Sunny Pawar/Dev Patel) é um garotinho indiano de apenas cinco anos que se perde do irmão Guddu (Abhishek Bharate) nas ruas da populosa Calcuta, muito longe do pequeno vilarejo onde morava. Após muitos contratempos, o garotinho é adotado por um casal (David Wenham e Nicole Kidman) na Austrália e muitos anos depois começa a juntar pistas para reencontrar uma forma de voltar para casa.
A direção é de Garth Davis, um renomado diretor de comerciais para a TV que estreia no cinema. Ele dirige o roteiro escrito por Luke Davies (do recente ‘Life: Um Retrato de James Dean’, baseado no livro ‘A Long Way Home’, escrito pelo próprio Saroo Brierley, o garotinho indiano que desapareceu.
É fato que na Índia – um dos países mais populosos do mundo – há muita desigualdade e miséria. Mas, talvez vocês não saibam, que por volta de 80 mil crianças desaparecem no país a cada ano e que há em torno de 11 milhões de crianças vivendo nas ruas. Quem já assistiu ‘Quem Quer Ser um Milionário?’ (também com o ator Dev Patel) faz ideia da crueldade pelas quais elas passam todos os dias.
Sendo assim, Guddu e Saroo precisam auxiliar na sobrevivência em casa da forma como podem, pois sua mãe Kamla (Priyanka Bose) trabalha quebrando pedras para conseguir prover o básico para não deixar seus filhos morrerem de fome (há também uma garotinha, mais nova que Saroo). Portanto, os garotos saem todos os dias em busca de trabalho e até cometem pequenos furtos pela cidade.
Em uma dessas buscas por emprego é que ocorre a tragédia. Cercados por milhares de pessoas vivendo na mesma miséria, os dois vão para uma cidade grande, mas se separam em uma estação de trem. A partir daí o destino de ambos muda para sempre. O filme consegue representar muito bem toda essa situação do ponto de vista das crianças, rodeadas de perigos como sequestradores e aproveitadores.
‘Lion’ tem uma abordagem interessante que é aliar a tecnologia ao drama de Saroo. O Google ajudou a produção do filme dando acesso a versões antigas do satélite para contextualizar a época em que o filme se passa, além de providenciar uma série de recursos que auxiliaram a pesquisa de Saroo parecer o mais fiel possível dentro do filme (para quem não sabe, Saroo usou o Google Earth para tentar localizar sua família).
‘Lion’ é um filme muito poderoso emocionalmente. Os próprios temas que aborda (pobreza, a maldade do ser humano, uma mãe que perde um filho e vice-versa) já são muito convidativos para que o espectador se comova com o drama dos personagens. Porém, havia uma grande chance do filme se render a melodramas clichês ou os chamados ‘isca de Oscar’ e felizmente não é o que acontece.
O diretor Garth Davis conseguiu encontrar um tom bastante equilibrado, que não apela com muitos momentos manipulativos, mas por outro lado, também se atém aos fatos sem deixar a trama apática e monótona. É claro que isso igualmente se deve a colossal contribuição do elenco (especialmente Patel e o garotinho Pawar), que entrega muita paixão e sentimentalismo as cenas.
Entretanto, ‘Lion’ também tem seus problemas. A condução da narrativa é um tanto irregular, fazendo o ritmo cair no segundo ato e adicionando algumas subtramas que não são tão bem desenvolvidas. Uma delas é a personagem de Rooney Mara, com a qual Saroo começa um relacionamento. Ou a relação conturbada da nova família com o irmão adotivo.
Ao abandonar tais subtramas praticamente sem conclusão, isso acaba parecendo uma ‘barriga’ de roteiro, como se precisassem preencher momentaneamente uma lacuna entre o início e o final do filme. E mais, apesar da boa contribuição de Nicole Kidman, honestamente não há nada tão impressionante que lhe justificasse a indicação de Melhor Atriz Coadjuvante (mesmo com suas nuances sutis e delicadeza na interpretação).
Em termos de atuação, Dev Patel impressiona demonstrando um grande amadurecimento e segurança com relação a seus trabalhos anteriores (assim como fez no desconhecido ‘O Homem Que Viu o Infinito’), mas convém dizer que praticamente é o ator principal do filme, dado o tempo de tela que possui. O que nos leva a crer que sua indicação ao Oscar de Melhor Ator coadjuvante nada mais é do que uma bela estratégia da produção – já que seria muito difícil ter competido na categoria principal.
Mas o destaque vai para o estreante Sunny Pawar. Seu carisma consegue gerar uma empatia imediata no espectador (quem disser o contrário não tem coração), expressando todo o medo que uma criança na sua pele sentiria passando por aquela experiência absolutamente traumática. Realmente uma atuação de partir o coração. Ele também teve o visto negado para comparecer à cerimônia do Oscar, mas após um pedido da produção do filme à Segurança Nacional, poderá participar acompanhando de seu pai.
Outro destaque de ‘Lion’ vai para seus aspectos técnicos. Indicado a Melhor Fotografia e Trilha Sonora, o filme conta com o trabalho do subestimado diretor de fotografia Greig Fraser (de ‘Rogue One’, ‘A Hora Mais Escura’, ‘Foxcatcher’ e ‘Deixe-me Entrar’). Ele explora incríveis tomadas aéreas, além de planos bem abertos da paisagem castigada, porém bela na Índia. Por sua vez, a trilha sonora é bem decupada, econômica em alguns momentos, mas reforçando a sensação de angústia e sofrimento quando necessário.
Sendo assim, ‘Lion: Uma Jornada Para Casa’ – apesar de por vezes parecer um longo merchan do Google – é um ótimo e comovente drama sobre superar obstáculos e reencontrar suas raízes. O filme evita cair nos clichês do melodrama e conta com atuações inspiradas e sensíveis de todo seu elenco. Por mais que seja um pouco irregular no seu desenvolvimento, principalmente em termos de ritmo, compensa com grande primor técnico e coração.
A estreia de Garth Davis na direção é sólida (mesmo com os problemas já mencionados), pois há belos momentos cinematográficos que enchem os olhos, como o simbolismo da vida de Saroo voltando aos trilhos, a crueza da cena dos sequestradores, sem diálogos (apenas uma trilha desconfortável) e com a iluminação amarelada, dando uma sensação extremamente angustiante no espectador.
Destaque também para a maneira como posiciona a câmera na altura dos olhos do garotinho Saroo, entre a multidão de adultos mal educados e egoístas, colocando o espectador no seu ponto de vista e assim gerando afinidade com ele. Por mais que possa ser pouco aceito pelo seu desenvolvimento mais lento e dentre os nove indicados ao Oscar este ano ser o segundo ou terceiro mais fraco, 'Lion' não deixa de ser uma bela história com direito a uma tocante surpresinha no final.
E você, já assistiu ou está ansioso para ver? Concorda ou discorda da análise? Deixe seu comentário ou crítica (educadamente) e até a próxima!
Para a versão com imagens acesse: www.pipocadepimenta.com
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