“E é melhor esperar que nada aconteça comigo, porque se eu morrer, você morre.”
O filme que trouxe Kathy Bates ao estrelato e lhe rendeu vários prêmios de melhor atriz, inclusive o Oscar, é um exercício constante de tensão e angústia, que vai construindo o suspense gradativamente durante a projeção, até atingir situações extremas.
Tudo começa quando o escritor Paul Sheldon (James Caan) sofre um acidente de carro e é socorrido por Annie Wilkes (Kathy Bates), que o acolhe em sua casa e cuida de sua recuperação. Ela é fascinada por ele e fã obsessiva de seus livros “Misery”, mas quando descobre que Paul matou sua personagem preferida da série em seu livro que ainda será publicado, Annie fica furiosa e se revela uma fã doentia, cometendo atrocidades a Sheldon, que sem poder andar, será sua vítima.
Primeiramente, a personagem de Bates se mostra uma verdadeira fã, solitária e bondosa. Pouco a pouco, o temperamento explosivo dela vai nos revelando uma mulher perigosa, quando de repente vem a tona a verdadeira face doente e obsessiva de Annie. O personagem é muito bem construído: uma mulher muito solitária, isolada da cidade, temperamental, fã obcecada de Misery, fazendo dos livros sua vida, as emoções que sente neles são as únicas emoções que sentirá, se sente íntima dos personagens e das histórias do livro, faz deles seus amigos e companhia, troca sua realidade pela ficção e fantasia dos livros aos quais admira. Majestosamente interpretada por Kathy Bates, a personagem ganha vida, fazendo temer cada ato de loucura que irá cometer.
Parte do sucesso da personagem está na atuação de Bates, mas parte também se deve ao romance de Stephen King, ao qual deu origem ao roteiro de William Goldman, que construíram uma história angustiante e um personagem inesquecível. Esse filme é uma das adaptações de romances e livros de King que deram muito certo (vide Carrie e O iluminado), aumentando ainda mais a proporção do sucesso do filme.
Os outros personagens também não deixam muito a desejar, apesar de suas aparições serem curtas e algumas até desnecessárias, com exceção do protagonista Paul, interpretado muito bem por Caan, que consegue nos transmitir todo seu medo enquanto está nas mãos de Annie e as revelações vão tornando sua estadia na casa dela um inferno.
O filme tem várias cenas boas, como as tentativas de fuga de Sheldon, mas nenhuma chega ao nível da clássica cena dos pés. Quando Annie não vê mais uma solução possível para manter Paul imóvel na cama, a opção que ela escolhe para tomar é uma das melhores cenas de filmes de terror-suspense que o cinema já mostrou, chocante a cada segundo que se passa, demonstrando a que ponto a fã obsessiva chega para manter seu contato doentio com seu ídolo.
O diretor Rob Reiner, que também dirigiu o divertido e romântico “Harry e Sally – Feitos um para o outro”, realiza aqui uma de suas melhores obras, tornando a história claustrofóbica e crível a verossimilhança, talentosamente instruindo os atores em seus personagens e conduzindo a história satisfatoriamente.
O tema que o filme trata é também algo para se pensar. Qual o limite em ser fã de alguma pessoa ou algum trabalho e se tornar um obsessivo doentio? A que ponto paramos de viver nossas vidas a custo de trabalho e projetos de outras pessoas que nem sabem que existimos? A que ponto no contato com nossos ídolos (diretos ou indiretos) somos racionais seres humanos? São muitas questões para um assunto bastante complexo, mas muito atual. Uma das conquistas do filme é ser surpreendentemente real, pois além das atuações, a situação é algo com que todos os dias vemos nos jornais, fãs e paparazzi fazendo loucuras pelos seus ídolos, ou até em notícias extremas, como o assassinato de John Lennon pelo seu fã obsessivo Mark Chapman, por um revólver calibre 38, em 1980.
“Louca obsessão” é um dos grandes e raros suspenses com um QI a mais que nos prende na cadeira do início ao fim, que não usa de órgãos expostos e violência exagerada para nos assustar, aqui é bem mais assustador, são pessoas “reais”, situações “reais” e artifícios do roteiro bastante inteligente que nos envolve nessa história fascinante. Apesar de todos os nomes envolvidos, é principalmente um filme de Kathy Bates. É ela que dá vida ao filme e o torna tão surpreendente e intenso, como um ótimo suspense tem que ser.
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