O inusitado da obra de King se torna um mote, no mínimo interessante, para um filme. Detalhe, dirigido pelo mesmo cineasta do mediano Conta Comigo
responsável pelo mediano Conta Comigo.
Paul Sheldon (James Caan), famoso escritor estadunidense, passa férias no Colorado, onde também trabalha em seu novo projeto, a continuação de uma série literária que ele mesmo criou. Determinado dia, afastado do centro da cidade em que está hospedado, Silow Creek, Sheldon decide pegar seu charmoso Mustang 63 a fim de fazer compras e retornar para a empresa onde trabalha, na cidade de São Francisco. Porém, uma forte nevasca começa a atrapalhar seu trajeto e, o mesmo, encontra-se em perigo. Até que o veículo derrapa e capota perto de uma pequena fazenda. Ferido e sem conseguir se locomover, Sheldon é arrastado para dentro de uma ampla casa por uma bondosa enfermeira, interpretada por Kathy Bates.
O mote do filme desenrola seu novelo a partir dessa premissa simples, digamos até banal. Já medicado e amparado, Sheldon enxerga seu corpo esticado numa confortável cama, coberto com uma charmoso lençol, como se tudo tivesse sido preparado só para ele. Agora hóspede, o mesmo irrompe do sono e dá de cara com a figura rechonchuda da sua salvadora, a enfermeira aparentemente dócil e inocente. Os primeiros contatos entre os dois se executam naturalmente e, conforme o tempo passa, é possível perceber o comportamento obsessivo da personagem de Bates. Viúva, morando sozinha numa ampla residência, a mesma coleciona pilhas de livros de seu autor favorito, o próprio Sheldon. Paul passa a se sentir acuado com tamanha tietagem feita pela enfermeira, o colocando contra a parede em todos os diálogos.
Até aí, tudo vai bem, pacificamente bem. Eis que algo é revelado. No segundo dia de sua estadia no lugar mais desagradável em que podia estar, segundo Sheldon, uma sopa é derrubada em sua cama, por um erro dele. Bates, então, mostra seu lado bipolar, enfurencendo-se com algo banal. Um indício do que viria a ser sua loucura. É nessa passagem que sua insanidade é posta a tona pela primeira vez, escancarapolicialntinha do iceberg que seria sua capacidade maquiavélica.
O longa, paralelamente, narra a busca incessante por Sheldon. O delegado de Creek e até e agência redacional em São Francisco ficam preocupados com seu habitante e empregado, respectivamente. Algo de errado houve, com certeza. Buster, o xerife, passa a mobilizar uma pequena equipe policial para procurar por vestígios de Sheldon e, ironicamente, acaba passando batido até pela casa da enfermeira, sem mesmo saber que era ali onde estava quem procuravam.
A duração da projeção vai passando e, cada vez mais, a imagem bruxa da enfermeira vai sendo revelado, já que isso não demora para acontecer. Sheldon, por pressão, acaba emprestando uma pasta para Bates, que contém os seus escritos para um novo projeto. Ocorre que, ao terminar a leitura, Bates descobre que a protagonista do livro, Misery, morre. É a gota d'água para a sua ira. Ela, então, espera a noite cair e, num momento distraído de sua cobaia, abre a porta com uma raiva abrupta e começa a gritar com Sheldon, ameaçando-o de morte e o aterrorizando com todo e qualquer objeto, jogando cadeiras para cima, chutando tudo que estava em sua frente.
Estava desenhado o perfil da enfermeira Annie, uma fã compulsiva e doentia.
Quem poderia ser um fã tão carrapato como ela? E pior, um carrapato diabólico e manipulador? Por esses e outros motivos, Sheldon fica preso e assustado num quarto o dia inteiro, como refém, sem ter o que fazer. Quando Annie sai às compras, é sempre o momento em que ele tenta fugir. Ora usando um grampo para vencer a fechadura, ora se esticando para, com muito esforço, se deslocar de sua cadeira de rodas para girar a maçaneta, realizar curvas e descobrir o que há na casa. Acha até um telefone na sala. Porém, o mesmo sem receptor, ou seja, desativado. Nesse momento, um dos melhores do filme, ele profere pensando alto: "Bruxa maluca!". E, nesse mesmo dia em que consegue sair do quarto, se vê numa enrascada das feias. O carro de Annie retorna e Sheldon ouve o ronco do motor. Como numa superação improvável, volta pro seu quarto a tempo, sem deixar suspeitas. Acontece que depois tudo seria descoberto e, ah, nem prefiro comentar as atro idades que a mestre do sadismo Bates faria.
Aliás, sua atuação é magnética e sísmica, enquanto que a de Caan também não poderia ser melhor. Suas expressões de sofrimento e dor não parecem nem um pouco com cara de dor de barriga, mas sim com a de um sentimento conflitante genuíno. É quase uma anedota vê-lo fazer cara de paisagem para Annie enquanto ela o obriga a escrever um livro colocando ela mesmo como protagonista. É nessa ideia que Reiner nos mostra até onde vai a adoração e é esse o cerne do filme. Uma pen foi o filme não dar um passo maior que a perna, como o mestre Kubrick fez adaptando The Shining, de King. Obra também adaptado, Louca Obsessão sofreu com o mesmo problema de Conta Comigo, também comandado por Reiner, a falta de pujança e molejo na condução. Sim, um molejo, um requebrado maior na condução da história, com menos esquematismo.
A sorte é que a sintonia dos atores compôs a tonica da obra e, alguns poucos momentos assustadores, fizeram do todo um encorpado. Faltou cruzar a linha de chegada, faltou incorporar um tempero a mais numa história que poderia ter um trato melhor de câmera, além dos redondos e cíclicos enquadramentos fechadinhos e travellings. Reiner não é um Stanley Kubrick, todos já sabem, mas conduziu, digamos, de forma correta uma história assustadora. E, que seja, um enredo que conte a história de uma fã doentia não é algo recorrente, normalmente se mostra só essa relação de maneira saudável. E se um dia seu fã salvasse você da morte? Mas, e se depois disso, ele tentasse te matar? Perturbador, não?
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