Uma versão holandesa de Love Story (1970), mas intensamente cru! Verhoeven merecia um abraço por transformar cenas como: pegar as fezes da namorada na mão e pedir para ela urinar nele, um cachorro na igreja lambendo sangue de parto ou vermes rastejando nos seios de uma linda atriz europeia, em algo extremamente poético e bonito!
Só que tudo isso levantou muitas discussões.. Afinal, o filme pende para o lado carnal? Banaliza o amor? Diz que o amor não se sustenta sem tesão? Sim e não, tudo e nada. Fica bem claro que o que essa "poesia brutal e lírica" em forma de filme quis dizer. Amor é carnal, é o sexo, é a troca de fluidos corporais - seja urina, fezes, saliva, tudo. Mas não se sustenta só nisso, estou errado?
Ok, aqui começam os spoleirs, então..
Percebam que Olga era uma menina extremamente boba, mimada e claro, aventureira. E quando ela encontra o seu par, não passa de um acontecimento incrivelmente coincidente, acidental. Mas é como se ela já soubesse que ali estivesse um grande amor: "Você sempre dá caronas?" "Não.." Ela quer viver uma grande aventura, um amor intenso, desfrutar a vida! Isso está em seus olhos a quase todo momento. Ela não se importa com as bizarrices de seu par ao longo da trama. Dando carona a um estranho aparentemente sem rumo, é a sua grande chance de viver de verdade.
O amor dos dois é incrivelmente lindo, tratado de uma forma sincera e escatológica poucas vezes vista; e o pior, nos emocionamos, vibramos e sentimos, é tudo tão singelo! Ok, o modo louco e carnal de Eric que antes encantava sua princesa da sucata, não funciona mais. Ela opta por viver com ele, esquece a grande empresa do pai para viver de uma forma "punk", sente-se infeliz, sente falta de uma vida de entregas, sente falta de um romance hollywoodiano? Improvável, mas sente-se usada, quase um objeto, nunca o sexo em demasia atrapalhou tanto. Na cena do enterro do pai de Olga, Eric vê a foto da sua sogra com o seu sogro morto no caixão, sente a vulnerabilidade da vida, sai correndo com olga, a vida precisa ser vivida intensamente e não daquela forma careta! Certamente, estão lembrados da cena na fábrica - de leite? - onde ela trabalha e sente-se totalmente deslocada, e infeliz também com o ganha pão de vida do marido.. Ela opta por um "norte-americano", um boa pinta, podendo agora viver um grande amor, talvez até um pouco de luxo, ser tratada como mulher e não como "uma 'galinha' na gaiola", como Eric faz com a ave que encontra no lixão, pelo o que ela mesmo cita como: "Algo a mais para pôr numa gaiola". Eric livra-se da ave, a liberta, e liberta a si mesmo naquela cena na praia. Aprende que atrás de toda sua brutalidade existe sentimentos profundos.
O tempo passa e Eric aprende com o amor que perdeu, lembram-se do início onde ele desiste de viver aquela vida carne-sexo.sem.compromisso quando vê uma estátua de Olga? Ele entende que amor é tesão, é vontade, mas que é preciso ter algo a mais. Algo a mais que ele sempre teve, mas que nunca aprendeu a valorizar, algo a mais que fez Olga perceber que seu relacionamento era intenso, mas sem "futuro". Agora ele tem a carne, o tesão.. Mas e o amor, a conexão com Olga? Lembram-se de como Eric "pilhava" em tudo que Olga fazia de loucura e vice-versa? Como quando chamamos um amigo para fazer bagunça, de infantilidade total, mas sem se importar com o que dizem os demais caretas.
Eles se encontram novamente, Olga volta à Holanda a procura daquilo que a fez sair, a diversão descompromissada e carnal de Eric - como na cena em que ele vê os seios caídos de uma moça e faz com que ela nem tire a camisa, vai "usar" só a parte de baixo, guarda seus pelos pubianos, seu troféu, seu material - então, no reencontro com Olga, em uma lanchonete, ela pede um café, a garçonete traz, ela reclama, pediu chá! Chama Eric para a briga, ele contenta-se com o chá, não vai na onda infantil que eu citei agora pouco, ele está mais pensante, mais sério, calculista. Ela olha para baixo, levanta a cabeça, mostra seus anéis, apara o batom e até mostra seus seios: "Não acha que estão maiores?". Clama pelo lado material de Eric, sente-se sozinha, quer afeto, talvez saiba de seu câncer terminal? É provável, ela sabe das dores de cabeça, aparência muito magra, muito branca e maquiada demais. Quando vemos a finitude, damos valor ao que realmente amamos, ao que temos medo de perder, Olga vê Eric, aquele que sempre se importou - do seu jeito é claro.
O final chega, Eric mostra seu grande coração ao passar mais uma madruga admirando e cuidando de sua amada, a cena do espelho em que Olga fica nua em sua cama e ele senta na cadeira e a admira até o amanhecer foi logo ao se conhecerem; entretanto, agora é no câncer - tumor, na parte em que uma relação precisa de sentimentos, ele mostra seu lado metafísico romântico, fica ao seu lado por mais uma madrugada, agora as condições são outras. Eric muda mas não transforma-se em um produto babaca da sociedade, visita sempre um lixão, buscando o que os outros não valorizam, o que foi esquecido, o que realmente importa. Se a sociedade joga fora, é por que deve ter um valor, tendo em vista que só guardamos e valorizamos o desnecessário!
Lembram-se (mais uma vez) quando eles se conhecem na cena da carona e Eric pergunta se Olga é realmente ruiva e ela responde que todos acham que é uma peruca? Todos acham que é falso, Eric pergunta se seus pelos pubianos também são ruivos, ele descobre que não, mas não liga. Seus cabelos não são peruca, são verdadeiros, tudo entre eles é verdadeiro. Olga tem um tumor no cérebro, usa peruca por um tempo, mas Eric acaba desejando - mesmo que seja para morrer - que ela continue careca, se é para assim ser, que seja. Como é a última cena? A peruca no caminhão de lixo. Em uma relação tão sincera, Eric acaba livrando-se de tudo o que não é verdadeiro. Aliás, essa cena final é linda, o que vai restar daquela paixão? O pó de onde viemos e para onde voltaremos? Lembranças boas e más? Bom e mal, esquerda ou direita e branco ou preto nunca importaram muito para Olga e Eric, o casal menos maniqueísta que o cinema já viu, onde ambos amaram-se até o último fio de cabelo. Ainda que tenha faltado o "algo a mais" que eu tanto comentei, taxá-los de vulgares, loucos ou românticos é a típica babaquice que renderia deles umas boas gargalhadas descompromissadas. Viva la vida!
Bela análise de um belo filme.