Mad Max 2015 é uma viagem alucinante e poeirenta no deserto; um faroeste a mais de 200 km por hora.
Começamos dizendo que "Mad Max: Estrada da Fúria" condensa os três filmes feitos pelo diretor com o personagem num só: aqui evocam-se as obras de 1979, 1981 e 1985. Trinta e seis anos depois do primeiro e trinta depois do último, era de se perguntar o porquê da volta à ativa. Seria apenas para arrecadar mais dinheiro? Ou para prosseguir na saga do "cavaleiro das estradas", agora mais velho? Experimentar filmar sem Mel Gibson no papel-título? Eis que o diretor nos entrega um produto ao mesmo tempo fiel e diferente dos três anteriores, surpreendendo quem esperava algo convencional, como uma resposta à alguma daquelas perguntas.
George Miller nada fez de convencional: misturou uma ação ainda mais alucinante na perseguição de carros com um deserto ainda mais fantástico, tudo num visual que mistura Ilha-da-Caveira, punk e heavy metal.
Criou personagens icônicos, como um semi-deus-demoníaco - Immortal joe - que tem um harém de lindas garotas e pavorosas damas-de-leite que alimentam seus guerreiros; um barão gigante faminto por lucros; um guitarrista de heavy-metal cuja função é tocar sua guitarra na frente do carro, nas perseguições, para dar mais gás aos guerreiros. Em resumo, personagens que, quanto mais perdem sua humanidade, mais se deformam. Há ainda velhas senhoras peritas no tiro e na moto, cuja humanidade de um passado distante existe, mas não intacta.
Charlize Theron é Furiosa, uma das generais do Immortal Joe, que foge com as garotas dele para dar a elas e à humanidade um novo futuro. Max, por sua vez, é no início do filme capturado para servir como banco-de-sangue a guerreiros que precisam de sangue para conservar sua saúde, uma vez que só se alimentam de leite.
Essa humanidade doentia não precisa ser analisada, explicada: os personagens falam por si em sua aparência e ações. Daí o filme não perde tempo com explicações: não é para ser compreendido, e sim sentido.
Da primeira obra reconheci mais pelos flashbacks de Max, em que ele relembra sua vida de patrulheiro rodoviário numa sociedade em desagregação, e as pessoas que não pôde salvar - principalmente sua família.
Da segunda, temos as cenas de ação primorosas e o gosto por personagens que se tornaram ícones daquele filme e que, de alguma forma, reaparecem: como a garota de cabelos-loiros e feições de patricinha, vivendo no meio de um agrupamento no deserto; o garoto que apenas grunhe e vive num buraco, inseparável de um bumerangue e de uma caixinha de músicas; uma mulher guerreira, que lembra uma ranger; o chefe dos vilões, bombado e com uma máscara que lembra a de Jason. Em 2015 George Miller levou as figuras a um patamar bem mais alto no quesito esquisitice.
Com o terceiro - o mais fraco, mas não ruim - associei a figura da Rainha Tina Tuner e sua "cúpula do trovão" que continha tosca civilidade, contrastada à quase total falta de humanidade de agora, bem como à busca por um lugar verde, onde se possa ser feliz, fora do deserto, da gasolina e da morte, feito para as pessoas boas. Como diz a música dos Guns and Roses,
"Take me down to the Paradise City
Here the grass is green
and the girls are pretty..."
É difícil não fazer uma leitura de Mad Max que não evoque os filmes de faroeste, principalmente os de Sergio Leone e Sam Peckimpah. A cavalgada pelo pó do deserto é substituída pelo ronco dos motores de máquinas monstruosas: um mundo muito mais bruto e mortal, sangrento, que cheira muito mais a gasolina que à pólvora do "bang-bang" das pistolas.
Destaque para Charlize Theron, que como Furiosa praticamente rouba o papel de Max, desta vez mais discreto no ator Tom Hardy. Mas ela não se limita a ser uma versão feminina dele. Furiosa não é Max. Embora, em comum, ambos tenham algo: querem se redimir, sentimento tão humano este. E por mais que não pareça à primeira vista, Mad Max 2015 é um filme todo humano, seja pelo cuidado do seu diretor com sua obra, com a paixão com que a fez, com o uso da linguagem cinematográfica e com os sentimentos que sua história nos desperta na tênue linha entre humanidade/desumanidade e as antíteses que estas encerram.
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