Dois substantivos são ótimos para serem analisados por outro simples substantivo, é o cinema e a história, através da nacionalidade. E que coisa linda e empolgante é o cinema! Um caleidoscópio sobre o social. Recentemente, em 2014, um filme da Mauritânia foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro, peguemos uma turma de 3º ano do ensino médio no Brasil e peçamos para que apontem no mapa o país, dificilmente acertarão o continente em que ele encontra-se. A história da Holanda é diferente da história japonesa, assim como o cinema indiano é único como cinema indiano.
Mãe Índia começa com uma senhora velha e seu grande feito, ao longo do filme somos levados a conhecer todos os momentos da idade adulta dessa personagem e como ela se tornou a "Mãe Índia".
Há alguns desvios um tanto bobos sobre à vida de algumas crianças, um até filho dessa mulher, mas logo o personagem da desigualdade mostra a sua cara. Também são lindas as cenas em que o pôr-do-sol dá duas cores na tela: o preto e o laranja. Como na cena que é quando os pobres camponeses passam a cultivar sua terra de direito, com direito a "uma dança" das plantações, que balançadas pelo vento parecem dançar junto no musical, ou quando Radha volta da cidade com seus filhos, onde se veem belas nuvens altocumulus alaranjadas no céu.
Pode ser também definido como um filme extremamente crítico e ateu, esse épico indiano que nos apresenta uma mulher que apesar de estar abaixo de todos, segue acima. Crítico pois o nome Mãe Índia nunca deixa claro se a mãe é Radha ou o próprio país, e claro, se referindo ao país Índia, não é essa uma boa mãe, daí a crítica a um país que tanto agora, mas principalmente no passado, é definido como um país desigual e indiferente as massas menores (que moldam o país). A Índia é também conhecida por sua sociedade de castas, bem representada no agiota e nos camponeses, quase como servos. Ateu pois crítica a todo momento a própria religião hindu, a inocência de uma criança em gritar que não precisa de chuva para deus (antes de sua casa ser destruída por uma enchente) e quando Radha ofende uma deusa, dizendo que ela não teria a capacidade de suportar o que ela suporta. É forte.
Gosto de comparar Mãe Índia com o cinema inglês-norte-americano feito nos anos de 1950 a 1958.. 1960. Primeiro por que lembra David Lean, aquela fotografia alaranjada não tem como ser vista sem lembrar o cineasta inglês, ao menos de quem assistiu A Ponte do Rio Kwai de 1957 ou Passagem para a Índia de 1984. E em segundo por que é melhor que muitos filmes em que provavelmente se inspirou de Hollywood, nem preciso citar de cada musical bobo feito pelos norte-americanos nessa época, de filmes que na maioria das vezes, quando tentavam ter uma crítica social em camadas, o que saía era uma salada de frutas descolorida e sem gosto. Isso não ocorre aqui, muitas vezes pinga uma gota de sangue ou de lágrima da tela, é um filme contando a história de um país, de um povo que não vive, apenas aguenta. É um filme com alma e é disso que o cinema precisa, antes de tudo.
Outro ponto a se destacar é a consciência que se tem sobre a mulher. Radha não é o tipo de mulher que cairia na hora de correr com o mocinho, ela seria o tipo de mulher que carrega o mocinho nas costas. Ela apanha do marido (o que apesar de infeliz é uma realidade mundial e não deve se evitar de mostrar certas coisas por isso) e muitas vezes suporta o triplo do peso nas costas, fazendo da dificuldade uma rival à altura.
Um grande potencial de Mãe Índia e também seu grande problema, as opções por ser comédia e por ser drama funcionam principalmente na primeira hora, mas antes da conclusão há uma grande bagunça nesse sentido que atrapalha no desenvolvimento e na soma geral.
Birju, o filho travesso que se torna guerrilheiro é um dos grandes representantes da grande mãe Índia, e por que não de uma grande parte do Oriente. Nesse momento em que aqui escrevo, não estou distante há mais que duas semanas dos atentados islâmicos em Paris, em novembro de 2015. Birju é o filho, que diferente do passivo irmão, que quer conhecer, quer aprender a ler e a contar, e que sabe que alguma coisa está errada; vê o pai fugir, vê o esforço da mãe que perde 1 acre de terra por 1 quilo de arroz, e não se sente satisfeito. Esses excluídos, descuidados, à margem da sociedade acabam sempre voltando e não por acaso Birju volta como guerrilheiro de algum grupo armado e começa a fazer justiça com suas próprias mãos.
O sangue que corre ao final junto com a água, que alimenta e já faz parte daquela terra, é da violência que Radha tantou negou e que faz parte de sua (e de tantas outras) amada nação e que não parece trazer um futuro auspicioso para os pacíficos.
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