Após o lançamento de Dogville em 2003, o cineasta Lars Von Trier deu prosseguimento à sua trilogia, onde apenas 2 anos depois, Manderlay ganhava a luz do dia. Contando com o mesmo teor ácido crítico, aliás muito mais ferrenho em seu direcionamento, esta continuação é extremamente fascinante e interessante, apesar de não se comparar com o original, considerado por muitos uma Obra Prima cinematográfica. Desta vez o diretor volta sua trama para temas como a escravidão, o racismo e todos os problemas que acompanham os mesmos.
Com quase 1 hora a menos de duração em relação a seu antecessor, Manderlay não possui todo aquele conteúdo brilhante que encantou o telespectador por mais de 3 horas no filme de 2003, mas tenho que ressaltar que mesmo com o tempo reduzido, Trier ainda encontra tempo para afundar seus personagens e explorar todas as situações e diálogos possíveis entre eles, levando freqüentemente cada um deles ao céu e ao inferno. Com o delicado tema do racismo, o diretor buscou aproveitar todas as oportunidades de trabalhar as muitas brechas que se abrem pelo seu roteiro fantástico.
Aqui as situações são levadas ao extremo da mesma forma que em Dogville,retornando a sensação de genialidade que pairava durante a projeção daquele filme. Trier não trata o tema de forma descuidada ou previsível, onde o público pode esperar que os negros sejam inferiorizados e assim, lhe tragam sentimentos de pena da platéia. Aqui o diretor explora ambas as partes, e as faz com maestria. As situações vão e voltam, mostrando que brancos e negros podem agir da mesma forma em várias ocasiões, tendo em vista que tudo isto abre um leque de oportunidades super interessantes à Trier.
Traição, votação, opinião, justificativa para os atos, todas estas características retornam com tudo para esta continuação, elevando ainda mais o padrão de qualidade da mesma. Embora as coisas sejam terríveis e ao mesmo tempo interessantes de acompanhar, como as passagens da menina doente e seus envolvidos, a força da trama parece não atingir de forma genial como aconteceu em Dogville. Mas o que aconteceu, sendo que o estilo dos filmes são muito parecidos?
A impressão é que Trier afunilou tanto seu tema e as mensagens, direcionando-as exclusivamente para um alvo só, deixando as discussões levantadas sem a força necessária para promover todos aqueles questionamentos que no original fizeram tanto sucesso, em relação ao ser humano e o que este faz para justificar o injustificável. É claro e nítido que o alvo de Trier é os EUA e sua política, a forma como tratam os negros e o posicionamento da sociedade americana em relação à escravidão e sua abolição. Aquele tema que poderia ser universal acaba por ficar reduzido à apenas aquela nação.
A ausência de Nicole Kidman também incomodou, pois sua atuação foi impecável no original, e não é fácil enxergar em Bryce Dallas Howard a personagem Grace, tão bem interpretada pela atriz em 2003. Demora até nos acostumarmos com a jovem no lugar de Kidman, e quando finalmente acontece, o filme acaba, dando uma sensação de que alguma coisa não foi a mesma coisa de antes. Dafoe também substitui Caan, e não decepciona, provando mais uma vez seu talento frente às câmeras. A narração sempre forte, presente e muito bem conduzida por Jhon Hurt mantém aquela bela atmosfera do primeiro filme.
Se uma coisa tem que ser dita é a criatividade de Trier em desenvolver sua trama através de seus belíssimos personagens, apesar de que em Manderlay todos sejam inferiores aos do filme original. A forma como resolve as situações, expondo o caráter de ambas às partes, branca e negra aqui neste filme, é de se aplaudir de pé. Nenhuma das partes parece estar certa em hora alguma, onde todas encontram meios de fugir e de esconder através de regras impostas pela sociedade e outras recém formadas naquele local. Quando pensamos que um determinado personagem agirá de tal forma, o cineasta entra em ação e nos surpreende.
Em Manderlay alguns elementos parecem ter sido explorados com maior intensidade por Trier do que anteriormente, como a violência e o ato sexual. Se antes Grace já sofria com abusos, aqui o diretor não poupa detalhes em focalizar uma relação sexual, embora a personagem concorde com aquilo desta vez. As cenas de muita confusão, que envolvem uma garotinha morta aparentemente por uma doença que se agravou por falta de comida, são as passagens mais tensas do longa terminando com grandes conseqüências, físicas e psicológicas para os personagens.
A forma como Trier conduziu sua trama e personagens, até a chegada do belíssimo desfecho, mantêm o telespectador atento e surpreso a cada minuto. É impossível não sentir aflição quando o final se aproxima e acompanhamos apreensivos o que acontecerá com a protagonista, se ela conseguirá ou não resolver seus problemas. Realmente Manderlay é primoroso neste quesito, tanto quanto seu antecessor. Espero que o terceiro capítulo mantenha o mesmo clima e promova novamente toda essa sensação magnífica.
Enfim Manderlay é um excelente filme, de caráter único e de forte personalidade, marca esta vinda de seu diretor. Com cenários maiores, contando com estruturas que vão de escadas à quartos, bem diferente da simplicidade total de Dogville, esta continuação promove bastante discussão e levanta questionamentos, apesar de que sua trama interessante atinja com maior intensidade a nação ianque. Vale muito a pena conferir pelo seu caráter filosófico apurado, pela criatividade do diretor e pelo desenvolvimento brilhante de seus personagens, o melhor destes filmes.
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