O que define um grande cineasta? Prêmios e bons índices de bilheteria são a resposta mais óbvia para essa indagação. Mais existem alguns artistas que não alcançaram esse tipo de reconhecimento, mas mesmo assim são aclamados como gênios. Um exemplo disso é Alfred Hitchcock, grande injustiçado do Oscar, mas que fez história no cinema ao criar um estilo de filmes único. Esse é que é o fator determinante para um cineasta, que transforma sua obra em algo único: o seu estilo, sua marca registrada. A marca registrada do cinema de Woody Allen sempre foi as relações humanas como a coluna cervical do filme, sempre conduzindo o seu trabalho da maneira mais simples possível, abrindo mão de coisas apelativas para tentar enriquecer a trama. Isso ficou explícito em “Manhattan”.
A trama do filme se baseia em uma teia de relacionamentos entre pessoas bem distintas. Em resumo, trata da história de um cara que, depois de se divorciar de maneira nada amigável da sua esposa que acabara de se descobrir homossexual e que pretendia arruinar sua reputação ao lançar um livro contando os detalhes menos ortodoxos desse casamento, acaba se interessando pela amante de seu grande amigo, mesmo já namorando uma garota de dezessete anos. Só a partir dessas ideias já dava para fazer, no mínimo, uns cinco filmes. Mas Woody Allen conseguiu “compactar” tudo isso em apenas uma hora e meia.
O filme já fascina logo de cara. A primeira sequência, com o próprio Woody Allen narrando suas tentativas de começar a escrever seu livro, enquanto aparecem as primeiras tomadas de Nova Iorque, é espetacular. A sincronia que existe entre os atributos que o narrador cita e as imagens da Big Apple que aparecem na tela, com uma belíssima música ao fundo, é algo lindíssimo, principalmente pelo fato de o filme ser em preto-e-branco, aumentando o romantismo que é tão exaltado pelo personagem de Allen. Fica claro, nesse momento, que a parte técnica do filme se faz marcante, em especial pela fotografia (a clássica cena da ponte é espetacular) e a trilha sonora, composta por trabalhos de artistas clássicos como Mozart e Gershwin e por faixas de jazz. O elenco está todo muito bem. Woody Allen consegue passar bem a confusão que vive Isaac Davis, enquanto Diane Keaton mostra todo o metodismo que Mary possui. Mariel Hemingway também faz um trabalho competente, embora sua indicação ao Oscar tenha sido um pouco exagerada. Porém, uma pessoa, que mesmo aparecendo pouco, chama a atenção, e nem tanto pelo seu desempenho: Meryl Streep, na flor da idade, lindíssima em todas as suas poucas aparições.
Isaac Davis, além de protagonista é o personagem mais interessante do filme. Logo na primeira conversa do filme dá para perceber o quão complexo ele é. É confuso, contraditório, imaturo. Esse último atributo, aliás, fica em evidência em um aspecto especial no filme. A sua namorada, de apenas dezessete anos, se comporta de maneira mais adulta do que ele. Os seus relacionamentos deveriam ser mais simples, mas ele fazia sempre questão de complicar tudo.
Os demais personagens também são interessantes. Tracy, namorada adolescente de Isaac, até nos momentos mais dramáticos segue com uma solenidade incrível para alguém da idade dela. Porém, o que marca mesmo esse filme é a maestria com que Woody Allen o conduz. Como foi dito acima, a trama do filme dava pano pra manga para uns cinco longas, mas Allen fez um de pouco mais de noventa minutos que abrange tudo. O carta na manga do cineasta está na edição. Não existe nenhuma cena em que a história não progrida. Nenhuma sequência repetitiva. E é interessante como uma cena vai puxando a outra. A “peteca” não cai de jeito nenhum. O filme não possui momento ruim. Os diálogos são sensacionais. Cada um dos relacionamentos dos personagens e os próprios personagens possuem uma singularidade. “Manhattan”, como demonstra sua fotografia em preto-e-branco, consegue trazer todo o romantismo que o cinema perdeu ao longo das décadas.
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