Conjunto de retratos fantasmagóricos, cada imagem de Mapas para as Estrelas (Maps to the Stars, 2014) é um pesadelo particular, talvez o único momento de privacidade das celebridades que englobam o filme de Cronenberg. A perdição na terra dos sonhos de Cronenberg é caracterizada sobretudo de fantasias e terrores próximos a uma realidade parecida com a atual, da internet aos programas de TV, dos filmes às séries da HBO, Maps to the Stars é principalmente uma moderna repaginação dos perigos de Hollywood.
Como bom explorador do sexo na linguagem cinematográfica, tratada como um ritual, e da exposição, o cinema praticado por Cronenberg vem adquirindo com seus outros recentes trabalhos características fundamentais e específicas de cada personagem. Qual é o verdadeiro cenário que vemos? Para além de simplesmente uma Hollywood, Maps to the Stars é uma volta às histórias de mansões mal-assombradas, das clássicas histórias de terror na era digital. De tom tenso e forte como em Cosmópolis (Cosmopolis, 2012), a narrativa aqui é repleta de pausas e diálogos, de reflexões. Afinal, tudo o que é dialogado pelos personagens de Cronenberg em Mapas para as Estrelas está sempre necessariamente dependente do passado, jamais totalmente revelado, mas gradativamente descoberto pelo espectador à medida que ele se repete no atual momento. Por isso apesar de ser um típico conto de terror, Maps se utiliza do mundo moderno para criar algo próximo da realidade e ainda mais próximo do caos.
Cronenberg vem fazendo do seu cinema, não diferente do que era antes, mas adaptando sua linguagem. Assim como em Marcas da Violência (A History of Violence, 2005), os dramas de seus protagonistas se centralizam em fatores sociais atuais. Caracterizado como sátira de Hollywood, Cronenberg brinca utilizando tanto elementos narrativos e estéticos de outros filmes que exploram esse tema, como Bling Ring: A Gangue de Hollywood (Bling Ring, 2013), transformando-os em algo mais próximo de sua linguagem, mais ligada às obsessões, a morte, a mutação e ao sexo. Por isso talvez, Mapa para as Estrelas não chega a ser um filme de terror assumido, pois trata a dramatização, as tragédias de modo gradativo, sem pressa e detalhado na construção de cada personagem e suas manias, arrogância, suas formas de ganharem a vida seja com blockbusters ou os chamados filmes de arte, sua representação na mídia, nos canais televisivos, no Facebook, IMDb e tantos outros meios e nomes.
Justo nesse contato das estrelas de Cronenberg com a mídia e com as pessoas – sempre de forma excêntrica, arrogante ou cínica – que está um dos grandes trunfos da criação desse universo. Mesmo com o conteúdo de terror, Mapas para Estrelas se desvia, por exemplo, de Cidade dos Sonhos (Mulholland Drive, 2001) por tratar de outro foco. Aqui os fantasmas presentes não estão ligados a uma relação amorosa, algum conflito, uma relação específica, mas sim ao remorso, as fatalidades e loucuras do passado, o verdadeiro vilão das estrelas que movem a constelação de Cronenberg. A brincadeira com o mundo das estrelas, o mundo dos artistas, a busca pela paz, o cigarro e outros clichês que movem o universo hollywoodiano são interrompidos enfim pelo caos de Cronenberg de maneira repentina em meio ao silêncio, as ações ocorrem todas em conjunto e a maldição se realiza de uma vez só, afinal, se estamos na era imediatista, vivemos também no terror imediatista que encontra uma “solução” rapidamente sem mais delongas, no sangue, no fogo e na morte.
O espelho que Cronenberg demonstra cada um de seus personagens, reflete o passado seja nas suas cicatrizes físicas ou psicológicas. A semelhança com a tela é demais para as estrelas, o desespero por uma vaga, a chance de estrear um filme, uma série, ganhar um Oscar, um globo de ouro. Cronenberg ri do desespero, da fuga inútil de Hollywood de seu passado, debocha de um mundo podre, terrível e cínico, cenário perfeito para seu filme. Sem fuga para o que a tela já nos mostrou, Hollywood se torna uma fábrica de filmes repetidos, de produtos, uma indústria de enlatados e em cada enlatado, se vai mais uma história e mais fantasmas por detrás da tela.
Fiquei até com vergonha do meu texto. 😳
Que exagero, Francisco, seu texto está ótimo, aliás lendo ele aqui, vejo alguns argumentos que não tinha nem pensado, como a semelhança entre Havana e Norma Desmond e a citação daquela cena no final do filme (a do prêmio), que convenhamos, é do baralho 😏.
Os dois textos estão fantásticos!
Achei esse bastidor dos atores de Hollywood muito bem feita, fiquei pensando se é aquilo mesmo e acredito ser verdade. Achei o Pattinson bem na verdade todos os atores estão ótimos e o fim trágico da personagem de Moore não seria hilario se não fosse tão banal...
Dois excelentes textos pra um ótimo filme. Vocês dois estão de parabéns.