Devido a grandes obras-primas do cinema em sua majestosa carreira, com o prestigiado “Psicose” e o ápice do voyeurismo “Janela Indiscreta”, talvez esse “Marnie – confissões de uma ladra” tenha sido esquecido pela maioria do público e perdido seu razoável brilhantismo em meio a tantos filmes monstruosos de Alfred Hitchcock. Mesmo assim, não é um filme que merecia ser ignorado, já que possui suas qualidades específicas, como os belos aspectos técnicos, e vale a pena ser conferido por suas boas performances e a direção mais uma vez admirável de Hitch, mas que foi ofuscada pelo tempo e , conseqüentemente, pelo público.
Toda a trama gira em volta de Marnie, uma mulher aparentemente comum, mas que na verdade esconde de todos o fato de ser uma ladra amadora e ter graves problemas psicológicos que atrapalham sua vida cotidiana, como o fato de ter aversão a homens. Quando Mark Rutlend fica sabendo da tentativa de roubo dela em seu cofre, ele se aproximará e irá ver a pessoa desequilibrada que se esconde por traz daquele rosto angelical. Casando-se com ela mais tarde, os dois irão confrontar os velhos problemas mal-resolvidos do passado de Marnie para finalmente poderem tentar serem felizes juntos.
A história desta vez não apresenta muitas surpresas do tamanho que estamos acostumados no cinema do diretor. Tudo está bem mais calmo e desnecessariamente monótono, a história segue de maneira satisfatória, mas nunca de uma maneira surpreendente até chegar em seu ótimo final, onde tudo é explicado e as pontas soltas apagadas. Além disso, o assassinato é muito pouco explorado, servindo mais como uma desculpa do roteiro para unir todas suas esquisitices do que algo a que devemos nos assustar. Problemas de ritmo também atrapalham o decorrer do filme, devido ao roteiro que enrola demais onde não precisaria, alongando o filme pra mais de duas horas que podiam ter sido contidas, e gerando cenas primordiais na história que ficam muito bruscas, como a descoberta que Marnie é uma ladra e mais tarde seu casamento, dando uma intensidade irregular e rápidas onde não devia. Não apresenta nada de novidade, o que em algumas grandes obras do cineasta trouxe aquele algo a mais de uma coisa que nunca tinha sido explorada antes de forma tão boa, enfim, grande parte dos defeitos se encontra no roteiro razoável, que o filme merecia um melhor.
A profundidade presente no roteiro é boa e já fica aparente no início, com a discussão da protagonista e sua mãe, onde Marnie queria entender o porquê de nunca ter sido tão amada e nunca ter tido tanta atenção dela, o que acaba numa discussão pesada, mas o filme nos revelará mais tarde que isso é uma marca do passado que ainda pulsa na vida de sua mãe. Diversas vezes é mostrado também que Marnie vivia atormentada pelas lembranças de seu passado, que embora não se lembre tão claramente, ainda preserva resquícios vivos em sua vida, o que justifica seu receio pela cor vermelha, trovoadas no meio da noite e, principalmente, sua aversão a homens que cada vez mais vai transformando sua vida num verdadeiro tormento.
O trabalho de Hitchcock na direção está novamente muito caprichado, que apesar de escorregar no roteiro, traz uma obra de arte técnica para os espectadores e deleite dos fãs mais fervorosos. A narrativa é muito agradável e consegue envolver por mais que limitadamente, as músicas clássicas ficam em uma sincronia com as imagens que dão um toque a mais naquela simplicidade aparente, cada figurino em conjunto com a maquiagem dá uma classe especial que só as obras do diretor possuem, um estilo próprio que pode ser identificado em todos suas obras.
Tippi Hedren, que o diretor já havia trabalhado em “Os pássaros” um ano antes, está indiscutivelmente maravilhosa, constrói uma personagem interessante e ao mesmo tempo muito intensa. Sean Connery mostra que consegue ter um desempenho melhor nos filmes do diretor do que o queridinho James Stewart, não só pelo seu grande charme quando está na tela, mas por ser um ótimo ator que fazia e ainda faz muitas mulheres caírem de amores, o que não foi diferente com o personagem de Tippi que encontrou seu porto-seguro, um casal com uma ótima química.
Uma obra que aumentou de importância e qualidade principalmente pelo nome respeitado de quem a dirigiu, que ganhou pontos pelo talento do diretor em transformar uma história razoável em um bom filme, mas também perde pontos pelas falhas no roteiro e passagens arrastadas. Talvez continue vivo na memória dos fãs devotos dos talentosos atores que estrelam o filme e os fãs de Hitchcock, já que todos os elementos fílmicos dele estão presentes, como o assassinato misterioso, os problemas psicológicos dos personagens e o suspense de roer as unhas. Parece cada vez mais apagado pelo tempo, mas na memória da maioria das pessoas que o assistiram vai ficar a lembrança de um filme bom, que cumpre o que promete e a imagem de um diretor que mesmo não fazendo uma obra-prima desta vez, ficou na história como um dos maiores nomes de Hollywood por toda sua carreira inesquecível.
“Você não me ama, eu só sou uma coisa que você agarrou, um animal capturado numa jaula!” – Marnie
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