Quem nunca desejou viver em outra época atire a primeira pedra.
Woody Allen quando não exercita aqueles discursos pretensiosos de sua crise existencialista e não busca ser conceitual demais, ele acerta. O dom da criatividade é uma das coisas que mais aprecio nas furtivas sessões que sua filmografia oferece. Zelig e Tudo o que Você Sempre quis Saber Sobre Sexo é um dos casos. Meia-Noite em Paris, é o filme que mais chega perto da beleza de A Rosa Púrpura do Cairo (o melhor filme do diretor), que me conquistou logo nas primeiras cenas pela tamanha originalidade. E esta bela homenagem à Cidade Luz, exibida no Festival de Cannes, que conquistou o público e a crítica quase por unanimidade, é uma excelente realização que tem o mesmo senso de homenagem, uma beleza pura e única e inocência. Só no Brasil mais de 1 milhão de pessoas foram aos cinemas, tornando o maior sucesso de público do diretor no nosso território. A verdade é que Meia-Noite em Paris, após os elogios vindo de Cannes, veio como sendo uma retomada, uma volta por cima, de um dos diretores mais famosos e prestigiados do mundo, já que vinha fazendo trabalhos medianos e não arrebatava o público desde Match Point.
De fato, Meia-Noite em Paris não veio pra ser lembrado apenas pelos fãs. Redondinho, bonitinho, e descontraído do jeito que é, o filme conquista como qualquer outra comédia romântica com final feliz, mas com o enorme diferencial de este ser dirigido com paixão, possuir um charme único, um humor ao gosto dos cinéfilos, e uma mensagem bem a cara de Woody Allen para não decepcionar a massa de fãs.
Mas vamos ao filme e o porquê de se chamar "Meia-Noite em Paris", coisa que sempre me deixava curioso antes de ver o filme. O que acontece em Paris? O que acontece à meia-noite? Antes de adentrar no enredo central da história, uma pergunta estranha mas que no nosso íntimo é totalmente familiar: Quem nunca sonhou com a ideia de dar uma voltinha no passado e conhecer seus ídolos que, infelizmente, já não se encontram mais em nosso presente? Ou quem nunca se imaginou vivendo em outra época? ou que nunca pensou que a mesma seria melhor que a que vivemos hoje? É natural essa insatisfação do homem com sua geração e seu desgosto pela era atual. E é com essa inspiração que Woody Allen, com uma criatividade genuína e um coração fervendo de paixão, entrega essa belíssima ode à literatura, poesia, música, Paris, Arte, amor, e cinema. Seu personagem é Gil (Owen Wilson), que achava o máximo caminhar pelas ruas parisienses na chuva, e toda a cultura literária do cenário que ele já conhecia e após uma noite morna e sem inspiração, se perde tentando voltar sozinho pra casa, e exatamente ao som do baladar dos sinos, à meia-noite, um carro antigo com passageiros amistosos, o convidam para um passeio.
E é a partir daí que a mirabolância da criatividade de Allen se inicia. Nesses passeios, Gil é transportado para a época que ele tanto admira, os anos 20. Conhece figuras icônicas como Scott e Zelda Fitzgerald, Gertrud Stein, Cole Porter, Hemingway, Picasso, Dalí e Buñuel. Há um momento antes deste, o qual introduz Dalí (com participação curta e marcante de Adrien Brody) e Buñuel na trama, num restaurante, que é de um humor que segue constantemente apurado, onde Dalí e Buñuel são apresentados à Gil que desabafa seus problemas como a falta de inspiração e que entrou num carro e voltou no tempo. Eles respondem positivamente dizendo que não vêem nada de errado e Gil retruca dizendo: "Claro, vocês são surrealistas." Mas definitivamente o filme me ganhou neste diálogo:
-Sr. Buñuel, tenho uma boa ideia para um filme.
- Sim?
-Algumas pessoas estão num jantar bem elegante e no fim do jantar tentam sair da sala, mas não podem.
-Por que não?
-Porque não conseguem atravessar a porta.
-Mas por quê?
-No momento em que são obrigados a ficar juntos,a camada da civilização desaparece e eles se transformam no que são, animais.
-Não entendo. Por que não se levantam e saem?
-Não sei. Pense nisso, talvez um dia ao se barbear,ache a resposta.
O roteiro de Meia-Noite em Paris segue sendo um dos melhores do ano, imaginativo, cheio de humor e inventividade, diálogos que se aliam perfeitamente com os cenários, e com a homenagem à Paris, visto que desde o início o diretor deixa claro que o filme é basicamente uma homenagem à cidade retratada, passando por vários pontos turísticos, ruas, a harmonia que paira sobre as praças, becos, dias chuvosos e a tranquilidade e charme que exala de cada lugar, tudo orquestrado por uma trilha sonora que não poderia ser melhor. A personagem de Marion Cotillard é o ponto-chave desse desgosto por sua geração comprovando ainda mais essa ideia de que a geração passada sempre é a melhor. É assistir e se encantar com essa fábula maravilhosa e muito bem realizada.
"Não vamos voltar ao século 20. Vamos ficar aqui na Belle Époque. É o começo do século, a melhor e mais bonita era que Paris já viver. E quanto ao presente....ele é aborrecido. Você acha que a Era do Ouro é os anos 20?? eu sou dos anos 20 e posso garantir que A Era do Ouro é a Belle Époque."
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