O saudosismo é um sentimento inerente ao ser humano. As pessoas costumam idealizar o passado, seja por relato de pessoas mais velhas, em especial os pais e os demais parentes (quem nunca ouviu seu avô dizer sobre algo que vê na televisão: “na minha época não tinha essa pouca vergonha”?). E esse pensamento é acompanhado da idéia equivocada de que as pessoas da época idealizada realmente imaginavam que, de fato, o momento no qual elas viviam era o auge da sociedade em todos os campos, classificando como inferior tudo que pertence a outro período seja ele anterior ou, na mente dos seus futuros saudosistas, posterior.
O francófilo Gil (interpretado por Owen Wilson) consegue realizar o seu sonho de finalmente conhecer Paris. Mas, por algum motivo, ele não consegue desfrutar da sua estadia na Cidade Luz na maneira como gostaria. Ele, a todo o momento, sente que tem alguma coisa errada nessa viagem. Na verdade, tudo nela está errado. Para começar a sua noiva, Inez (Rachel McAdams) não compartilha de suas ideias, não só sobre se mudar dos Estados Unidos para Paris, mas também da visão do mundo “romântica” demais que seu noivo tem (desconfiança essa que é alimentada pelos seus pais, que veem Gil como um louco e não possuem boas expectativas para seu iminente casamento com sua filha). E, para completar, eis que surge um “Ricardão cult” que consegue fascinar Inez em cada frase que diz.
Está na cara que Gil, roteirista de Hollywood bem-sucedido e escritor frustrado, não foi à França procurando o melhor lugar do mundo para passar o resto dos seus dias com a mulher da sua vida. El foi em busca de inspiração para, finalmente, conseguir escrever um livro que satisfaça suas expectativas. Mas, chegando lá, ele não encontra. Além das situações já citadas acima, sua justificativa é que Paris perdeu sem encanto com o tempo. Segundo ele, o auge do esplendor da Cidade Luz ocorreu durante a década de 1920, com o surgimento dos movimentos vanguardistas, como o Surrealismo. Mas uma coisa sem explicação acaba acontecendo. Buscando inspiração, Gil caminha pelas ruas de Paris quando é, exatamente à meia-noite, abordado por pessoas em um carro de quase um século atrás que acaba levando-o, meio que através de uma viagem no tempo, à época na qual ele tanto deposita fantasias. Nessa experiência, Gil acaba conhecendo pessoalmente os seus principais ícones no mundo das artes.
O filme se assemelha muito com “Manhattan” (1979), outro trabalho de Woody Allen, e não só no fato de ter as metrópoles mais icônicas do planeta como plano de fundo. Logo na introdução, assim como no filme sobre Nova Iorque, Allen brinda o espectador com imagens belíssimas de Paris, acompanhadas de uma bela música folk francesa A fotografia é bem adequada, sempre com tomadas do nível da rua, tentando ressaltar os mais belos ângulos da capital francesa, até mesmo na chuva, algo que no imaginário de muitas pessoas não combina com Paris. Outra semelhança está no modo como a trama se inicia, tendo como protagonista um homem que vive intensamente da arte vivendo um momento crucial em sua vida, tendo uma relação amorosa cuja legitimidade ele mesmo duvida.
Os grandes atrativos do filme são, sem dúvida, os artistas que aparecem nas “viagens no tempo” de Gil, como o escritor F. Scott Fitzgerald e o pintor Pablo Picasso. Alison Pill chama atenção com uma boa atuação representando a paranoica novelista Zelda Fitzgerald, assim como Corey Stoll como o grande escritor Ernest Hemingway. Mas, entre os artistas, o que realmente chama a atenção do espectador, seja pelo fato de ser interpretado por Adrien Brody, seja por ser um dos pintores mais icônicos da história da arte, com uma personalidade única, é realmente Salvador Dalí, mesmo aparecendo apenas por alguns minutos na tela. A atuação de Owen Wilson lembra muito as que o próprio Woody Allen costuma realizar nos seus filmes, como no supracitado “Manhattan”. Os seus interesses amorosos (Rachel McAdams, Marion Cottilard e Léa Seydoux) também atuaram de maneira convincente. A parte técnica do filme é irretocável. Não satisfeito em fascinar os espectadores mostrando Paris com uma fotografia incrível, Woody Allen ainda cria um ambiente incrível quando Gil vai ao passado. Nesses momentos a iluminação se torna um elemento a mais no filme. Vale lembrar-se da cena em que Gil está com os grandes artistas do século XX, em um ambiente escuro e, de repente, acontece um corte e o espectador é levado para um museu no qual as suas obras estão hoje expostas. Um museu totalmente iluminado, de ferir os olhos. Isso mostra como hoje se têm uma visão distorcida do passado, sempre idealizado (o filme aborda isso mostrando como os artistas da época preferido de Gil também idealizavam o seu passado), e não enxergamos a beleza do presente. O cartaz do filme, de certa forma, pode servir de analogia a isso. Mostrando Gil andando nas ruas de Paris sem perceber que, atrás dele, a arte, demonstrada por um quadro de Van Gogh nos céus da Cidade Luz, está à sua volta.
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