“Are we all lost stars
Trying to light up the dark”
É sempre bom quando um filme surge do nada e te surpreende no cinema. É o caso desse ótimo Mesmo Se Nada Der Certo, que estreou sem grande divulgação ou falatório e acabei conferindo apenas por que outro filme estava sendo exibido apenas em 3D. E que bom que acabei assistindo ao filme de John Carney, pois fui recompensado com um filme que equilibra doçura e melancolia em doses certas, resultando em uma obra que faz bem tanto para os olhos quanto para os ouvidos graças às belas composições que surgem ao longo da projeção – assim como o filme anterior de Carney, o fantástico Apenas Uma Vez, possivelmente uma das produções com as melhores músicas que o cinema já teve o prazer de ver.
Não que a nova produção de Carney fique muito atrás nesse quesito, já que as músicas que embalam a narrativa são excelentes, novamente dotadas de sentimentos e das características de seus personagens. Os personagens, a propósito, são Dan (Mark Ruffalo) e Gretta (Keira Knightley). Duas pessoas que dividem o talento e amargura com os rumos de suas vidas. Ele é um produtor musical que já fez sucesso, mas passou a acumular fracassos até ser demitido por seu sócio e decidir atravessar os dias bebendo o que pode e não pode pagar. Ela é uma inglesa que se muda para Nova York para acompanhar o namorado, Dave (Adam Levine, vocalista do Maroon 5), cantor pop que segue rumo a uma carreira de sucesso e resolve liquidar o romance traindo a garota. Em mais uma noite de bebedeira, Dan se encanta ao ouvir Gretta cantando e logo os dois estão gravando um disco juntos. Boom, a mágica acontece.
E quando digo que a mágica acontece, não me refiro a uma história de amor entre os personagens ou algo do tipo, mas à música. Por que para Carney, música é algo mágico – o que não surpreende já que o diretor e roteirista é também músico, membro da banda The Frames, ao lado de Glen Hansard, protagonista de Apenas Uma Vez. Daí que ao ilustrar as ideias de Dan para uma música de Gretta logo na primeira vez que a ouve, o diretor mostra o processo mental de criação do produtor como uma cena de contos de fadas, com instrumentos que ganham vida e compõe arranjos musicais. Ou o diálogo em que Dan observa como uma situação cotidiana se torna mais especial apenas por ser acompanhada por uma música – e a música ser a memorável “As Times Goes By”, de Casablanca é um bem-vindo bônus. O filme assim não se envergonha de trazer uma visão romantizada sobre o processo de criação musical – ou artístico em geral – e a importância da música para as pessoas, aproveitando para alfinetar a indústria musical, que prioriza o lucro à qualidade dos artistas, muitas vezes removendo suas ambições autorais em prol de uma roupagem mais vendável.
Não que a produção esquece seus adoráveis personagens pelo caminho, já que os protagonistas e mesmo os coadjuvantes são bem desenvolvidos. É interessante acompanhar a identificação musical de Dan e Gretta, que logo se torna uma identificação muito mais pessoal conforme aquelas pessoas se conhecem melhor – logo entram em cena a filha adolescente (Hailee Steinfeld) e a ex-esposa (Catherine Keener) do personagem de Ruffalo e passam a desempenhar papel importante nessa jornada. E ainda que uma clara tensão sexual fique explicitada na relação dos protagonistas, é preciso reconhecer a coragem de Carney em apostar em um desfecho que não precisa do romance final – algo que ocorreu também em Apenas Uma Vez -, preferindo manter a amizade dos personagens enquanto se ajudam a acertar suas vidas separadamente.
Não que o filme não derrape em algumas passagens artificiais, como, por exemplo, a traição de Dave, que torna um personagem que surge centrado e apaixonado em um deslumbrado impulsivo, que joga fora uma relação sem a menor preparação do público para isso – é é ótimo constatar que Adam Levine se revele um ator carismático e mesmo antes do roteiro consertar sua “vilania” consiga manter o espectador ligado ao seu personagem. Porém, qualquer deslize é compensado nas ótimas atuações de Mark Ruffalo e keira Knightley e, principalmente nas belas canções que atravessam o filme, entre as quais, minha favorita disparada é a belíssima "A Step You Can't Take Back", cantada por Knightley logo no inicio da obra e que me desarmou por completo com sua letra melancólica na voz doce da atriz.
Retratando o poder transformador da arte na vida das pessoas, Mesmo Se Nada Der Certo seria chamado originalmente Can a Song Save Your Life? (Uma Canção Pode Salvar a Sua Vida?) – estranhamente, a cópia que assisti estava com esse título, não sei se alteraram para Begin Again depois que o filme já estava pronto, mas divago – e a julgar pela situação em que encontramos os protagonistas e aquela em que os abandonamos, a resposta é sim. E é sempre prazeroso ver um filme que reconhece isso enquanto desenvolve sua história encantadora.
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