No ano em que La la land tinha tudo para roubar todos os holofotes para si, eis que esse trabalho com pouquíssimo orçamento destacou-se dentre tantos outros e apropriou para si os louros da noite. Mas por que Moonlight teve toda essa repercussão? Como um filme de orçamento mínimo conseguiu conquistar voos tão altos? A resposta é simples: direção e roteiro tratados com toda a ternura e profundidade que tal história merecia ser contada.
O filme narra em três tempos a vida do jovem Black e as intempéries que ele é obrigado a viver por causa de sua orientação sexual (a qual o mesmo demora um pouco a aceitar) e os desafios que um bairro violento e uma criação complicada propiciam a seu psicológico. Só com esse enredo o diretor Barry Jenkins tinha inúmeras formas de errar a mão e entrar ou por um caminho que abusa da personagem, fornecendo situações limites para apelar ao sentimentalismo barato, ou errar a mão e não pesar o bastante para que as imagens pudessem ter um realismo que fizesse com que a história fosse “comprada”, ou seja, crível ao espectador. Como uma grata surpresa, ele não envereda para nenhum desses lados e abraça um pouco de ambos, mas trilhando um terceiro caminho ao criar uma obra poderosa, crua, meiga e crível em todos os seus três atos.
O filme propicia imagens belas e poéticas (auxiliadas por uma eficiente fotografia) em cada um de seus atos. E nesse ponto é que reside a força esmagadora de Moonlight. Em cenas simples e corriqueiras, nos aproximamos de Black, nós sentimos o que ele sente seja por seu olhar ou suas ações. A cena no mar entre ele e Juan é carregada de uma leveza e grande significado, porque naquele exato momento, ele pode fechar os olhos e sentir-se abraçado pela água e seguro nos braços de seu novo protetor. Ali ele está longe das agruras que o rodeiam, sem medo algum, apenas sentindo uma liberdade que há muito tempo não possuía. Mas como foi dito, além desses momentos de ternura existem os de crueza, e parte deles (a maior parte na verdade) pertencem a mãe de Black.
Naomie Harris entrega uma força inacreditável na interpretação e sua Paula consegue passar raiva e pena ao mesmo tempo. A caracterização e a entonação de suas falas mostram o quanto ela tenta abraçar Black, mas é impedida por seu vício e a preocupação enraizada de que o filho talvez não fosse forte o suficiente para aguentar a pressão que a sociedade faria a ele. Isso acarreta em inúmeras discussões e a personificação de uma criatura destruidora na mente de Black onde a palavra carinho talvez estivesse longe demais para ser sentida e demonstrada.
Mas Juan, mesmo sendo o porto seguro do principal possui seus problemas. A direção que a história toma, cada encontro, diálogos inspirados, tudo parece ir por água abaixo com uma simples cena. Uma revelação a Black que pesa não só no coração de Juan, mas também a quem assiste, já que sabemos ligar os pontos, mas quando tais verdades tomam a tela, somos iguais a Black, decepcionados com a imperfeição de nosso herói, daquela figura que tratamos como nosso salvador. E foi preciso essa realidade para passar ao segundo ato, a adolescência.
A descoberta do primeiro amor, os sentimentos novos que despertam, as mudanças no corpo e os conflitos que temos de suportar nessa fase. Tudo é passado (de certa forma um pouco mais rápido que nos outros dois atos), e acompanhamos da mesma forma da infância a acentuação dos problemas. O porto seguro de Black muda mais uma vez e vemos Kevin ganhar mais espaço de tela, crescendo sua importância acentuada pela delicada cena na praia (note que os momentos mais doces da vida de Black ocorreram naquela praia, tornando aquele um lugar “seguro” do mundo que o cercava).
No entanto, assim como no primeiro ato, a figura em que ele depositava a sua segurança mais uma vez toma uma ação que maltrata, que choca e “quebra” o protagonista, não só fisicamente, mas emocionalmente. Com a mente quebrada e limpando as feridas, aquele reflexo no espelho provoca revolta. Revolta por um mundo que somente cutuca a ferida, faz sangrar, e tira os momentos de doçura que deveriam povoar a vida. E essa sensação provoca nele a vontade que faltava para revidar, e numa cena bem dirigida, nossos olhos acompanham o momento em que pela primeira vez Black explode e não vê alternativa senão recorrer a violência, a mesma que sempre o abordava e açoitava sua vida. Uma explosão que lhe custa o resto da adolescência e num olhar ele vê-se tendo de entrar na vida adulta usando a própria força para poder continuar.
E aqui chega o ato final, eclipsando inúmeros anos da vida de Black. Pelas primeiras cenas é possível ver um homem forte, impetuoso e respeitado, características bem diferentes dos outros atos, mas isso é somente a personalidade que ele aprendeu a usar para continuar a vida. É assim que a sociedade a sua volta o vê e ele usa isso para não ser incomodado. O filme poderia enveredar para mostrar que ele talvez tenha entrado na vida de crime, ou mostrar o que ele fez para chegar naquela posição, mas isso não é o que interessa por aqui. Apesar de Black ter esse posicionamento, é possível ver que o mesmo garoto ajudado por Juan e que sofria com a criação de uma mãe viciada ainda estava ali. Escondido, acuado, mas ainda estava ali.
O fato de desculpar-se com a mãe mesmo depois de todas as discussões e situações anteriores, demonstra o quanto a culpa que ele depositava nela era pequena. Ele sabia que se não fossem as drogas, acentuadoras de uma preocupação que erroneamente transformou-se em raiva, a relação de ambos poderia ter sido diferente, mas que no fundo o que ela queria é que ele se tornasse forte e tivesse uma boa vida. E esse momento de ternura e perdão é reforçado por uma excelente atuação dessa dupla que torna crível toda lágrima e movimento de suas personagens, em um diálogo maravilhoso.
Mas a melhor sequência é guardada para o final. Toda a cena na lanchonete, no reencontro há tanto esperado é carregada de uma tensão em que cada olhar, cada fala interrompida sufoca. A torcida, o sofrimento de tantos anos, a vontade guardada, tudo se espalha nesse momento para uma simples troca de palavras, um simples sorriso, uma risada inocente. Essa sequência é a força de Moonlight. Todos somos Black querendo apenas ter um porto seguro que realmente possamos nos ancorar quando os problemas constantemente nos rondam. Uma luz no fim do túnel de nossas agonias. E uma declaração singela e tímida em um cômodo pequeno, tornou-se uma imagem poderosa que libertou não só a Black, mas também a todos que acompanharam sua trajetória.
E mesmo que o filme tenha alguns problemas (como seu ritmo que por vezes é um pouco arrastado), ele merece todos os prêmios que ganhou por proporcionar essa história simples e poderosa, que no final nos deixa como aquela criança na praia envoltos pela luz do luar em sua bela fotografia azulada, absorvidos pelo que vimos e sentimos, inocentes e emotivos assim como o próprio Black.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário