''Uma obra-prima de um gênio que irá perdurar por séculos e mais séculos pela história do cinema.''
O interesse de Bergman em filmar a alma humana sempre me intrigou. O diretor sempre buscava aquele ''algo mais'' em seus filmes, ele queria filmar a imaginação, os sonhos, as frustrações, arrependimentos, os sentimentos mais obscuros do ser humano. Em ''Morangos Silvestres'' ele nos brindou com um filme não sobre a morte, e sim sobre a velhice mal vivida, enfim, sobre a jornada de um homem e sua reflexão sobre a vida. O Dr. Isak Borg (Victor Sjöström) é um velho professor de medicina, amargurado, que vive numa confortável casa, e tem a companhia diária de sua empregada Agda (Jullan Kindahl). Com quem mantém uma estranha relação, que por vezes parecem ser marido e mulher, mãe e filho, ou até irmãos. Esse é um reflexo da vida de Isak, que a muito tempo tornou-se um velho ranzinza e extremamente egoísta. Isak é um homem sozinho (por opção própria), mantém uma relação que parece ser obrigatória com o seu filho, de poucas visitas de um ao outro, e nenhuma demonstração de afeto. Isak está tendo estranhos sonhos que remetem a acontecimentos do seu passado, e quando recebe uma ligação dizendo que ele vai receber uma homenagem na sua cidade natal, Lund, ele pensa um pouco a respeito e então, decide ir. Ele faria a viagem de avião junto a sua empregada, Agda, más um de seus sonhos surreais faz com que ele mude de ideia e decida ir de carro, mesmo Lund sendo muito distante. Logo ele parte de carro com sua nora Marianne (Ingrid Thulin) que vive uma crise conjugal com o filho de Isak, o também Dr. Evald Borg. Os dois então vão juntos para receber tal honraria, mesmo Marianne deixando claro que não gosta de Isak. E Isak, além de ir para receber a homenagem, vai também em busca do significado dos estranhos sonhos que vinha tendo.
Na estrada, ele vai relembrando fatos de seu passado, enquanto teme cada vez mais a morte que inevitavelmente se aproxima. Os tais ''morangos silvestres'' são avistados por ele numa casa onde ele viveu grande parte de sua infância e adolescência. Logo ocorre um flashback nos colocando no passado de Isak, um homem educado, más desde aquela época, frio. Como um mero espectador de sua própria vida, Isak não demonstra querer mudar as coisas, más fica tocado ao ser colocado em uma época de sua vida, onde ele era feliz. As lembranças, as vezes boas, mais na maioria ruins, trazem a tona uma coisa muito ressaltada no filme por Bergman : sempre haverá tempo para autocrítica e mudança, nunca é tarde. Durante a viagem ele conhece algumas pessoas das quais simpatiza, dentre elas, Sara (Bibi Andersson) e seus companheiros de viagem, Viktor (Björn Bjelfvenstam) e Anders (Folke Sundquist), que estão à caminho da Itália, e Isak, num gesto simpático, dá carona aos 3. Depois ele também conhece um casal em uma profunda crise conjugal, que faz com que ele se lembre de seu próprio casamento. Os garotos criam uma grande empatia por Isak (especialmente Sara, que o até o chama de papai), pois veem nele uma figura paterna menos aborrecida, mesmo porque Isak não é pai deles, então se abstém em dar opiniões sobre suas vidas, o que faz com que os 3 criem um vínculo interessante com Isak. Já Marianne, que de início lançou verdades sobre o que pensa de Isak em sua cara, ao longo da viagem também tem seus laços afetivos criados com o velho professor. Vendo que Isak está procurando mudar, ou ao menos corrigir os erros que cometeu, Marianne fica tocada, e passa a respeitá-lo, não por obrigação (como ocorria antes), más agora por admirá-lo como pessoa. Isak escolheu viver sua vida de um modo, priorizando sempre seu trabalho e nunca demonstrando atitudes de afeto com a esposa e o filho, enfim, um homem frio, mais que despertava a empatia de seus pacientes. Ele tem uma relação muito distante com o seu filho, o também Dr. Evald Borg (Gunnar Björnstrand), e essa relação distante é um claro fruto da criação gélida por parte de seu pai. Evald é um puro reflexo da personalidade de Isak, (e isso fica claro nas questões com Marianne sobre seu filho..), e isso passa a incomodar Isak que se sente extremamente culpado em relação a vida e as escolhas de Evald, pois ele teme que seu filho se torne igual a ele na velhice. Então ao final, Isak passa a tentar estreitar os laços com Evald dando conselhos para que o seu filho não siga seu caminho.
O deitar na cama do velho Isak, o seu olhar distante, e logo depois o seu fechar de olhos, dizem tudo sobre quem foi Isak Borg. Um exímio na medicina com grande sucesso profissional, admirado em sua cidade natal, com estabilidade financeira, etc .. mais quem foi o homem, a pessoa por dentro, chamada Isak Borg ?. Isso se resume em nostalgia, culpa, tristeza, e principalmente falta de amor a todos em sua volta, sua familia (a relação de certo estranhamento com sua mãe é um retrato), seus raros amigos, e com simples conhecidos, com quem ele nunca procurou saber como estavam de verdade. Obviamente, como toda obra de Bergman, o filme é cercado de questões filosóficas, existenciais e algumas psicanalíticas que seriam facilmente tema de mestrado em psicanálise e/ou psicologia, pois são de uma profundidade sem igual em tal tema. Um filme que é estruturalmente muito simples, porém encanta ao discutir o passado de uma pessoa amarga, de uma maneira que nos atinge profundamente. É o simples feito de uma forma genial, memorável. É interessante também observar o contraponto que Bergman faz ao colocar em cena um trio de jovens ingênuos e cheios de vida e muitos sonhos, e logo depois um casal um pouco mais velho, que já aparenta sinais de amargura e cinismo entre si. Uma analogia ao próprio Isak, e a transformação que acontece com as pessoas quando não sabem envelhecer.
''- Vamos, Sorria !
''- Más dói tanto ..''
Más o que fascina é facilidade de Ingmar Bergman de nos fazer refletir a cada obra, sempre com questões como : vida, morte, adultério, Deus. Recomendo que vejam sua filmografia por completo, não há nenhum filme gratuito, um simples passatempo não existe em tal filmografia. Bergman sem dúvida é o grande responsável pela qualidade incomensurável de tal obra, os elogios seriam sempre pouco a ele. Indescritível, inarrável, indizível, insigne, um exímio realizador, um gênio inefável. Victor Sjöström realiza uma atuação magistral. Ele passa todos os sentimentos de seu personagem de uma maneira extremamente tocante, sua mudança é a nossa mudança. Não é atoa que Bergman ameaçou não filmar essa obra se Victor não aceitasse o papel principal (Victor era o diretor do filme favorito de Bergman, ''A Carruagem Fantasma'', uma das maiores obras-primas do cinema sueco). Mesmo com todo o elenco atuando bem, (Ingrid Thulin e Bibi Andersson também estão muito bem em cena), é estranho pensar que as atuações nunca se sobressaem sob à obra em si, o filme é sempre maior. Basta fazermos uma análise simples : quando lembramos de ''Morangos Silvestres'', na maioria das vezes não são os rostos em si que vemos em nossas mentes, e sim uma cena, lembramos de um diálogo marcante, ou um simples fato que acontecera.
"- Qual será a pena ?
- Pena ? a de sempre, creio.
- A de sempre ?
- A solidão."
Uma obra-prima daquelas pra se ver de joelhos, um esplendor para o cinema.
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