“Uma coisa é o fato acontecido. Outra coisa é o fato escrito. O acontecido tem que ser melhorado no escrito de forma melhor para que o povo creia no acontecido.” Essa fala de Antônio Biá em Narradores de Javé define bem uma das faces do filme. Faces essas que povoam logo nos primeiros instantes a tela e a cabeça do espectador, por conta da ágil, porém precisa edição de Daniel Rezende e do roteiro afiado de Luís Alberto Abreu e da diretora Eliane Caffé, diretora de Kenoma.
O filme mostra Zaqueu (Nelson Xavier) contando a história de como seus conterrâneos da pequena Javé contaram a história de seus antepassados para o escrivão e também morador da vila, Antonio Biá (José Dumont). O objetivo era salvar a vila de ser inundada por obras de uma represa. Biá, um beberrão que já fora expulso da vila por caluniar, deseja florear a história, como gosta de dizer. Rapidamente percebe que cada morador favorece seus próprios ascendentes, o que torna dificulta sua escrita.
Quem decide o que será escrito? Que lado da história será publicado?
Desde a história da humanidade até fofocas do dia-a-dia, não faltam versões. Dizem que a história é escrita pelos vencedores. Mas mesmo do lado vencedor, há várias mentes e interesses para que essa ou aquela figura seja eternizada. Na nossa mídia modernizada e ligeira, duas palavras viram uma e uma vira três, de acordo com o objetivo de quem tem o alcance para publicar. E a consequência é uma nociva desinformação geral.
E quem decide quem deverá sair para o progresso entrar? O povo de Javé já havia sido expulso pela coroa portuguesa, pela infelicidade de habitar uma provável jazida de ouro. Agora corre o risco de sair novamente. Sabemos que a resposta para as duas perguntas é aquele que conta a história que mais faz rir. No caso de Biá, ninguém ali é capaz de fazê-lo rir.
Assisti a Narradores de Javé tardiamente. Busco sempre completar a filmografia assistida de vários diretores e alguns atores. No entanto, cheguei até Narradores de Javé para completar a filmografia assistida de um editor, Daniel Rezende. Com certeza você já assistiu a mais de um filme editado pelo rapaz, pois seu currículo inclui vários dos melhores títulos recentes nacionais e também internacionais: Cidade de Deus (2002), Diários de Motocicleta (2004), O ano em que meus pais saíram de férias (2006), Tropa de Elite 1 e 2 (2007 e 2010), Cidade dos homens (2007), Ensaio sobre a cegueira (2008), As melhores coisas do mundo (2010), A árvore da vida (2011), 360 (2011) entre outros. Seu estilo já é facilmente reconhecido (em uma cena de Narradores notei os cortes em um mesmo take, muito parecido com em A árvore da vida e nem lembrava que a montagem do segundo também era de Daniel). Formado em publicidade e com experiência em discotecagem, o editor afirma que monta seus filmes pensando na estrutura de um set list de DJ. Tal dinamismo deu uma nova textura ao ambiente de marasmo típico de uma vila como Javé.
Eliane Caffé soube aproveitar esse e outros talentos. Compõem o grande elenco: Rui Resende, Gero Camilo, Luci Pereira (isso, a Creuza de Salve Jorge) e Matheus Nachtergaele. Como um irmão de Saneamento Básico (2007) Narradores de Javé aborda temas sociais como educação, analfabetismo funcional e desapropriação de terras sem cair no indesejável didatismo.
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