Dois atores mega famosos, um roteiro criativo, muitos equipamentos militares e uma fenda no espaço-tempo, além, é claro, de um pouco de patriotismo estado-unidense. Este exemplar trata-se de um curioso momento de transição entre o cinema dos Estados Unidos da América nas décadas de 1970 a 1980. Onde temas bastante politizados, complexos e por muitas vezes históricos, renderam filmes revolucionários, polêmicos e afins. Porque aqui, temos uma soma de todo esse cinema de peso com a leveza da década de 1980, bastante descontraída para a ação e entretenimento. A mistura de ficção, com aventura e filme histórico-didático é bem bacana. E certamente foi o segredo para um relativo sucesso do filme na época de seu lançamento, nisso incluíndo o próprio Brasil, onde o filme trouxe um numeroso aglomerado de fãs e telespectadores dos mais desinteressados neste gênero.
Há, durante uma rápida apresentação dos personagens que farão parte da trama, aquele velho suspense do que você já sabe que vai acontecer (a volta no tempo, respectivamente), onde já fora noticiada por quem assistiu o filme, nos trailers e até mesmo na sinopse; mas que acontece para aquele velho deleite do cinema estado-unidense, já em exercício na sua raiz cinematográfica, onde ninguém sabe o que vai acontecer, apenas você que assiste. Não importa o número de imagens antigas de Pearl Harbor, com um historiador da Segunda Guerra a bordo no navio, e mesmo que um navio museu seja uma das primeiras imagens a ser mostrada, a aventura estado-unidense sempre procura levar ao máximo aquilo que nós já sabemos, até mesmo presenciamos, mas que ainda não se revelou uma verdade aos personagens.
Assim acontece com o capitão Matthew Yelland (Kirk Douglas, hoje com então 101 anos!) e Warren Lasky (Michael Sheen), que são pegos de surpresa com o acontecimento. O filme se concentra nestes dois personagens o tempo inteiro, sendo um civil e o outro, o capitão do gigantesco porta-aviões. Há somente um mulher no filme inteiro, Laurel (Katharine Ross, de papéis inesquecíveis na segunda metade da década de 1960), que é auxiliar administrativa do Senador Samuel Chapman* (Charles Durning). Apesar de ser a única mulher, a sua força e capacidade intelectual são ressaltadas de forma bem interessante para um filmado em 1979, como se dissesse: “É, bem, é um filme cheio de testosterona, mas não desprezamos o papel feminino”.
Enquanto isso, vê-se um show (e um deleite para aficionados) de material bélico, além do poderoso porta-aviões USS Nimitz, aparecem também Mitsubishi A6M Zero (histórico), diversos CVW, helicópteros USS Nimitz (como o Sikorsky SH-3 Sea King), Grumman F-14, Lockheed S-3 Viking, Douglas A-3, LTV A-7 Corsair II, Nakajima B5N (também histórico), Vultee BT-13 Valiant (histórico, das forças dos EUA), F4 Phantom II e por aí vai. Numa estranha exaltação ao desenvolvimento tecnológico da humanidade (leia-se, dos Estados Unidos da América), onde os já antigos inimigos, são facilmente destruídos pelo que há de novo – e mais potente.
Mas o pior de todos os defeitos, certamente é devido ao seu vácuo de dramaticidade, mesmo possuindo diversos dos atores mais famosos da época (e até do próprio cinema internacional), não devem haver 30 minutos de diálogos profundos sobre a situação incômoda ao qual toda aquela tripulação adentrou. A sua própria existência está em risco, e afora o capitão, a reflexão desse pesar é superada por um nacionalismo exacerbado. Mesmo Warren (Martin Sheen) que reflete acerca da possibilidade de ser criado um cataclismo sem tamanho em toda a vida da tripulação, de repente isso tudo é deixado de lado. Em determinados momentos, uma gigantesca tripulação é apresentada, mas nem 1% dela e de seus atos é mostrada. Poderia-se fazer um Nimitz 2 só com ações de pessoas que estavam lá e não apareceram, com sintomas psicológicos e atos bem mais interessantes e relevantes dos que os mostrados aqui.
É claro que baseia-se quase que por completo em maquinário da época, próprio das forças armadas estado-unidenses - aqui respectivo também à Marinha dos Estados Unidos - fazendo com que os efeitos da imagem não fiquem tão datados – embora os que foram utilizados, tenham ficado bastante. Mas os acontecimentos também vão tornando-se muito prováveis: morrem aqueles que não vão interferir no futuro-presente. Claro que isso facilitou o desfecho – ainda que não o tenha prevenido de furos estranhos de continuidade -, mas um espectador mais crítico, vai notar que todos aqueles, que obviamente não poderiam sobreviver, morrem de forma mais abrupta e, até mesmo, da forma mais ridícula possível.
Não fosse só a crítica pela exibição desenfreada de máquinas, o que deve agradar um público muito restrito e afastar outros (embora não seja por isso profundo no que aborda), a própria edição na saída e entrada de naves e armamentos no Nimitz fica repetitiva demais, embora inovando em alguns ângulos, já sabemos como vai ser a chegada de uma aeronave no espaço do gigantesco navio (este mesmo tipo de cena ainda é repetida nos créditos finais!). O próprio japonês resgatado do mar (praticamente a única figura estrangeira com que se tem contato na viagem do tempo), que é mostrado como um fanático que só age através da truculência, não tem uma personalidade desenvolvida a não ser por uma foto (sim, ele tinha uma família). Eu mesmo pensei, fosse qual fosse o desfecho do japonês no Nimitz, que ele iria servir como base para alguma reflexão, ou alguma ponderação maior sobre o conflito ou mesmo sobre a situação entre espaço-tempo. Mas não, absolutamente nada.
Coloco-me a pensar também, na funcionalidade de Nimitz – De Volta ao Inferno (que é de 1980) no seu contexto histórico de Guerra Fria, que acabaria em menos de 12 anos, já que é vista uma traineira russa (soviética) nos 5 minutos iniciais deste, na qual, como comenta um personagem, “não estaria andando a pescar muito”. Os japoneses que atacaram Pearl Harbor já estavam tecnologicamente ultrapassados dos estado-unidenses, e da forma como são apresentadas as armas do Nimitz, pondero se essa não era uma forma de mostrar que os soviéticos eram atrasados e que se dariam mau em uma possível batalha. Jimmy Carter ainda era o presidente na época, que fizera um mandato de algumas concessões interessantes, mas que não conseguiu agradar os cidadãos dos Estados Unidos nem com políticas de guerra, logo depois assumiria o ainda mais exaltado Ronald Reagan, no estilo mais militarista estado-unidense de ser. Pensar Nimitz(...) por esse sentido dá uma compreensão bem maior e bacana, mas não pode ser situado somente neste aspecto, não explica o todo.
Possivelmente, eu não tenho como confirmar isso oficialmente, Nimitz – De Volta ao Inferno tenha feito, no Brasil e nos Estados Unidos, mais sucesso nas locadoras do que nas telonas, e no caso do Brasil, tenha feito mais sucesso (bilheteria e memória) do que nos Estados Unidos. Por ser uma época em que a juventude estava bem ligada por dentro de assuntos como navios grandiosos, armas de grande destruição, aviões etc, este chamou atenção. E com a Guerra do Afeganistão, bem como a Ditadura Militar no Brasil (com o nosso campo cultural bastante dependente dos EUA) e o cinema de ação cada vez mais em ascensão, Nimitz teve o seu lugar para os que o assistiram na época. E cada vez mais futuramente não deve ir se tornando num filme altamente dispensável, já que abusa do contexto diário das forças balísticas dos Estados Unidos e pode se tornar interessante para este viés. Curiosamente, neste exemplar a tradução acaba por ser melhor do que o título original: em inglês, The Final Countdown** significa “combate final”, no sentido de ser os últimos minutos de um combate importante, então por isso, Nimitz (sem dúvidas o personagem principal do filme***) voltando ao inferno que fora o dia 6 de dezembro de 1941, em um momento de conflito internacional (o maior da humanidade até agora, que assim siga sendo), faz muito mais sentido.
*O senador é fictício, logo o filme não trata demonstradamente de pessoas históricas, e a sua função de modificação ou não do futuro, acaba se tornando menos envolvente. Mas para saber disso com certeza antes de assistir o filme, precisaria ser um profundo conhecedor da política dos EUA durante a 2º Guerra.
**O filme não tem nenhuma relação com a música, homônima, que seria lançada alguns anos depois e faria enorme sucesso mundial, da banda Europe.
***O porta-aviões, apesar de não ter sido inventado na década de 1980, foi sendo renovado ao longo dos anos e ainda é uma força de extrema importância. Sua durabilidade passa dos 40 anos, são movidos por energia nuclear e sua construção é bastante limitada pelas dificuldades de sua tecnologia e tamanho. Na citação, o Nimitz serve como personagem principal por: (1) levar o nome do filme, (2) ser o que mais é filmado em cena e (3) por ser a grande causa de ter sido assistido nas telonas, já que o filme não foi bem recebido pela crítica, levando jovens aficionados pela sua grandeza e fama às salas de cinema.
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