Quando Violeta (Alessandra Negrini) encontra e se despede de uma garota e um pai solteiro dando inicio a música de Chico Buarque que inspirou o filme, por mais curto que seja o contato entre esses personagens, é especial para Violeta, mulher e mãe carioca que até então se encontrava em uma busca frenética e sem rumo por seu marido. Tanto para Violeta quanto para o próprio espectador, esse contato casual se torna afetivo, próximo, aconchegante em meio a tanto agito e individualidade em um Rio de Janeiro filmado por Ainouz onde a aproximação parece fria, a comunicação é breve e sem sensibilidade alguma. Esse encontro de Violeta então, que não deixa de ser um encontro consigo mesma, quebra tudo o que foi visto, as faces pálidas e perdidas sem rumo em meio a metrópole, e obriga um contato entre personagens, doloroso, mas triunfante: olhos nos olhos.
O cinema de Ainouz se trata de um cinema da observação, contemplação do caos metropolitano. Os olhares frios sempre em direção ao nada, parecem não encontrar destino em uma rotina entediante, de trabalhos cansativo, de objetivos que não se realizam, de desejos que não satisfazem. É interessante observar que Karim Ainouz faz parte de um cinema brasileiro que vem crescendo nos últimos anos, que se arrisca em novos horizontes, através da realidade brasileira, moldando estilos, gêneros e sua própria identidade. Violeta, por exemplo, não é uma personagem qualquer, trata-se sobretudo daquela mulher de 40 anos, trabalhadora, mãe, mas infeliz. O cuidado de Ainouz se da aí, Abismo não é apenas um filme sobre um desamor, mas sim inserido a um contexto próximo ao nosso, onde cada vez mais o olhar tem valor.
Praticamente sem diálogos, Abismo Prateado (idem, 2011) voa em um silêncio desconfortante sob a rotina de Violeta. De planos-sequencias longos e pensativos que analisam as expressões vazias e tristes de cada rosto, Ainouz ora beira o seu filme ao puro terror e suspense por meio do choque de sua protagonista ora beira ao romance de uma vida solteira e despretensiosa. O grande trunfo de Abismo é principalmente a capacidade de modelar e destruir sentimentos com facilidade, se há sequências em que reinam apenas um sentimento em comum, há outras para desfaze-las.
O abismo de Violeta, ainda que compreensível, se torna seu próprio paraíso libertador. O Rio de Janeiro filmado aqui, apesar de se tratar de um mesmo lugar, se transforma no decorrer do tempo: se antes aquela praia nos indicava logo de cara a perdição, o olhar sob ela, sob a noite carioca se molda no que antes era loucura, dor e medo em paz, tranquilidade. Ainouz transforma o encontro entre duas pessoas que tem muito em comum, mas não se conhecem, em um fenômeno que não se via até então, o olhar, o encontro, o calor de duas pessoas.
A incomunicabilidade do filme de Ainouz, essa falta de contatos reais, o obriga a construir um contato puramente de imagens e sons, o seu cinema. Abismo Prateado (idem, 2011) se torna único justamente na simplicidade como é trabalhado, de forma despretensiosa, criando poesia sobre a cidade e principalmente exercitando o cinema de seu próprio diretor, um cinema que vai além do encontro do caos urbano e o amor, da loucura e da libertação, mas também daquilo que Antonioni provava em sua trilogia, não de almas gêmeas, o que propõe esse cinema é a negação da existência dela, mas de perdição, deslocamento, do amor bandido, marginal e impossível, que foge de suas amarras e se questiona, mas sobretudo, libertador.
Filmaço! Belo texto Ricardo, mais uma vez né?
Puxa, ainda não vi esse....