Pretendido a transmitir valores otimistas e mensagens edificantes a seu público, O Caçador de Pipas já nasce com sua cota de lições de moral completamente estourada, uma vez que o filme praticamente se define um oráculo sobre o poder da amizade, do amor, do perdão, etc., etc., condensados dentro dum embuste, no mínimo, patético. Obras que visam propor reflexões positivistas ao espectador, para serem bem sucedidas, precisam principalmente de uma harmonia entre aparato técnico, texto e direção, além ,é claro, da sutileza para que tudo não soe como algo enfiado goela abaixo. Distante de quaisquer características citadas, temos aqui é uma espécie autoajuda fílmico, por mais esquisito que isso possa parecer.
Sabemos que é baseado em um livro recente e de imensa repercussão mundial, ambientado numa época/região que, em teoria, deveria reforçar ainda mais o fundo dramático presente na trama, afinal estamos falando duma história de amizade que sobreviveu durante décadas. Só que o filme se perde primeiramente na autoindulgência em crer que suas falhas serão amenizadas unicamente pela boa intenção que é guiado. Manipulador até não poder mais, o plot se alimenta de situações e reviravoltas que, invariavelmente, só estão lá para nos fazer chorar – e o apelo é tamanho que chega a ser deprimente. É tudo muito delimitado à pretensão de se mostrar como um exemplo de cinema que consegue ser tanto comercial (por tratar de um tema universal, etc.) quanto “reflexivo”.
Enquanto o romance original traz a assinatura de um afegão e, portanto, deve carregar (não li) uma ótica mais calejada quando o assunto é transparecer a realidade no Oriente Médio, mais propriamente no Afeganistão. A mão de um americano por trás da produção deixou a apresentação dos costumes, dos rituais e da precariedade do lugar dominado pelo caos em algo jamais além do superficial. O painel onde se situa a história de Amir e Hassan é mostrando por uma visão distante, extremamente externa e alheia. É como se o cenário estivesse ali e pronto, sem desempenhar qualquer papel mais significativo no roteiro, ou mesmo orgânico. Em outras palavras, O Caçador de Pipas poderia ter sua ambientação até num país fictício, que isso não alteraria muita coisa – nesse quesito, aliás, tudo é muito neutro.
Restava à fábula de amizade entre os dois garotos afegões despertar ao menos um pingo de empatia para aliviar os tropeços citados, mas nem isso. É um filme que não sobrevive nem de suas intenções, nem de qualidade artística (?) e muito menos da identificação, já que evidência melhor não há de sua incompetência enquanto cinema que não a idéia de que, mesmo tendo em mãos uma temática de fundo tão universal quanto à amizade, não consegue gerar o mínimo de empatia em quem vê. É um sentimento jogado no lixo, visto que tratam o amor dos meninos como escape para mil e uma mensagens transmitidas sem a menor gota de refinamento, aos trancos, sufocando-nos com tantos valores e pregações morais que jamais encontram reflexo na qualidade da produção. Somente com a subida dos créditos finais eu pude respirar aliviado.
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