“Algumas pessoas, nasceram para se sentar em um rio. Alguns são atingidos por um raio. Alguns têm ouvido para a música. Alguns são artistas. Algumas nadam. Alguns entendem de botões. Alguns sabem Shakespeare. Algumas são mães. E algumas pessoas, dançam.”
Benjamin Button nasce. Benjamin Button morre. Que entre uma extremidade e outra, seu ciclo de envelhecimento ocorre ao contrário, iniciando como um idoso e findando como um neném recém nascido é um mero detalhe. O que importa é que assim como todos nós, Benjamin vive alegrias, tristezas, sofre, amadurece, ama e é amado. É isso que o define como ser humano, não sua “particularidade”. O Curioso Caso de Benjamin Button então, é muito mais um filme que reflete nossas vidas e tudo que vivemos ao longo dela, do que uma fábula sobre um homem “estranho”. Nada na vida de Benjamin Button é por acaso, todos que passam por ela o mudam de algum jeito – e são mudados por ele – e contribuem para torná-lo o homem que chega ao final do longa com o rosto de um jovial Brad Pitt e a serenidade de alguém que, se colecionou cicatrizes, também leva consigo troféus do qual se orgulha e jamais abriria mão.
Não que a essência do belo conto de F. Scott Fitzgerald tenha sido alterada e sua condição especial tenha sido apenas jogada no filme como uma distração. Não, os problemas enfrentados por Benjamin na história original são aprofundados, afinal, ele ora é uma criança de 7 anos no corpo de um idoso de 70, ora um homem da terceira idade com rosto de adolescente. Mas, se no conto de Fitzgerald os problemas de Benjamin eram de ordem mais leve, por assim dizer, como deixar de amar a esposa por ver-se mais novo, enquanto frustrado a observava colecionar rugas, ou mesmo ser expulso da faculdade por aparentar ser um aluno de aparência dos anos iniciais de estudo no primário, aqui Benjamin filosofa sobre como sua condição o impacta e mais que isso, altera as vidas daqueles que o cercam. Assim, em determinado instante, Benjamin afasta-se da filha e da mulher que ama pelo simples fato de perceber que logo será um fardo a ser carregado por elas, se tornando mais novo do que a menina que ajudou a colocar no mundo e não mais representando o marido que sua mulher conhecera, mas sim aquela criança com quem brincava alegre na infância.
E se mencionei sua mulher no parágrafo anterior, devo dizer que o maior acerto da espetacular adaptação de Eric Roth para o texto de Fitzgerald, é adicionar o amor de Benjamin por Daisy como centro narrativo do longa, versando sobre o destino que une duas pessoas. Sim, sabemos desde o inicio que Benjamin e Daisy ficarão juntos ao final, mas o romance é desenvolvido de maneira tão cuidadosa que ficamos aflitos por perceber os anos passando enquanto ambos parecem cada vez mais se repelir, ao invés de se aproximarem. Em certo instante, Benjamin visita Daisy em um apresentação de sua companhia de balé e ela o dispensa para festejar com os amigos, amargurada por ele não a compreendê-la. Mas Benjamin a compreende e se afasta, sabe que não era a hora e lugar para iniciarem a relação que perduraria até seus últimos dias. Sabe que a juventude da amada ainda não a permite admitir a importância de sua presença na vida dela. Não que isso o deixe amargurado ou mesmo esperando-a correr para seus braços – Benjamin vive outros amores, descobre o sexo nas mãos de mulheres paradoxalmente mais velhas e mais novas que ele – mas, também não se nega a buscá-la e cuidá-la em um momento de especial dificuldade da garota.
Mas não só de Daisy e Benjamin vive O Curioso Caso de Benjamin Button. É extensa a galeria de personagens que percorre o filme e a vida do protagonista. Aliás, se digo protagonista aqui é por mera convenção: ninguém é coadjuvante no longa de David Fincher, assim como ninguém o é do lado de cá da tela. Prova disso é quando a nadadora interpretada por Tilda Swinton, que representa o primeiro romance de Benjamin, aparece de relance em uma televisão realizando o feito com qual tanto sonhara (se tornar a mulher mais velha a atravessar o Canal da Mancha a nado). A mensagem é clara, Benjamin pode ter saído de sua vida, mas ela nem por isso parou. Da mesma forma, é interessante constatar como o filme lida com nossa finitude – a morte é uma constante tão grande em O Curioso Caso de Benjamin Button quanto a vida: desde cedo, vivendo em um asilo com sua mãe adotiva, Benjamin convive com a morte dos moradores do local, antecipando as diversas despedidas que terá ao longo dos anos, vendo seu pai partir, sua mãe, entre tantos outros. Até chegar sua hora, um fechar de olhos nos braços da mulher amada – linda forma de deixar esse mundo não?
Interpretado de maneira brilhante por Brad Pitt, na melhor atuação de sua carreira, Benjamin é um homem de gestos e sentimentos contidos, sem grandes arroubos emocionais. Sua amada lhe virou as costas? O olhar de Pitt estabelece o impacto que aquela dor teve em seu personagem, mas Benjamin permanece sereno. Da mesma forma, o trabalho vocal de Pitt por si só poderia render prêmios ao ator, revelando mudanças de tons que dizem muito sem precisar de diálogos expositivos, como quando diferentes monólogos em off são ditos pelo protagonista. Sim, há a maquiagem e os retoques digitais por trás (ou cobrindo, para ser mais exato) de Benjamin, mas se o personagem sempre se mantém realista e tridimensional, isso se deve ao trabalho do excelente intérprete por baixo daqueles recursos técnicos, num verdadeiro tour de force, atravessando a tela dos primeiros meses aos 80 anos de idade (ou dos 80 anos aos primeiros meses). Não que Pitt brilhe sozinho, afinal, divide a cena com Cate Blanchett, ótima no papel de Daisy, que conservando uma beleza clássica, que remete às atrizes da época de ouro de Hollywood, confere o peso necessário ao amor da vida do protagonista, sem com isso deixar jamais de parecer uma figura real, uma mulher que poderia ser encontrada em um palco do lado de cá da tela, dançando.
Dirigido com o cuidado técnico tão característico ao cinema de David Fincher, O Curioso Caso de Benjamin Button é um primor técnico. Da bela fotografia, que carrega em tons fabulares ao design de produção, que torna a Nova Orleans vista no filme uma cidade real, atravessando as décadas de evolução com precisão. Da mesma forma, é interessante constatar como o diretor surge mais contido aqui em suas invencionices com a câmera e no distanciamento da história que o faz por diversas vezes ser acusado de frio e de não se importar com seus personagens (algo que não é verdade, bastando assistir qualquer um de seus filmes e ver que, no fundo, sempre foram eles que importaram), algo que agora o fez ser acusado de sentimentalóide e maniqueísta – algo injusto e longe da realidade de seu trabalho aqui. O filme conta também com a bela trilha sonora de Alexandre Desplat, que foge da estratégia de apenas comentar o filme (algo que John Williams, um dos melhores do ramo, desandou a fazer em suas últimas contribuições com Spielberg, por exemplo) e insere belas composições instrumentais ao longo da narrativa, que numa sincronia exata com as imagens que acompanha, tornam certas cenas experiências quase líricas. Por outro lado, a montagem por vezes se revela problemática, saltando do presente ao passado com certa preguiça, algo prejudicado pelo artifício escolhido por Roth para contar sua história (a leitura de um diário), recurso batido, mas que ao menos permite observar as reações de Daisy aos relatos de Benjamin.
Contando com uma cena que merece figurar em qualquer antologia de melhores momentos do cinema recente, onde acompanhamos cada pequena ação na vida de pessoas desconhecidas que acaba por culminar num evento maior na vida de outra, O Curioso Caso de Benjamin Button se revela uma obra-prima, que encerra sua temática de maneira bela e emocionante ao trazer planos dos personagens que atravessaram a vida do protagonista, enquanto este recita em off as características mais marcantes daquelas figuras, que em menor ou maior grau o marcaram. Dessa forma, essa cena representa uma dualidade que pode ser encarada tanto como a última visão de Benjamin ao seu fechar de olhos derradeiros, uma retrospectiva daquilo que viveu, como também um reencontro com todas aquelas figuras, após todas deixarem suas vidas “físicas” para trás. Algo que, emociona e revela-se ideal dada a temática do longa, aproximando de vez os extremos de vida e morte, culminando em uma única coisa.
Como é bom ler, escrever, falar, assistir e apreciar os filmes do Fincher e os comentários do Pedro. Parabéns.
O Pedrão seu texto mais uma vez, irretocável cara, parabéns mesmo mas...
Apesar de todas suas justificativas, não consigo concordar com você, achando essa fita melhor que Fight Club' cara, kkkkkkkkk... Sabemos que cada um tem seus filmes preferidos, mas acho que nunca discordamos tanto sobre uma ordem de filmes...
Valeu, Cristian e Lucas :D
Ah, Lucas, posso preferir BB, mas a diferença nem é tão grande. Ambos são obras-primas pra mim :P