O cineasta Julien Duvivier pertenceu à geração impactante denominada por conveniência como Realismo-poético que mudou o cinema Frances e mundial a partir da década de trinta, entre as duas grandes guerras. Porém este título nunca foi totalmente definido e aceito, visto que muitos consideram que boa parte das obras chaves do movimento flertam com um romantismo unido a um retrato social. Quanto à denominação Duvivier talvez tenha sido um dos que mais se aproximaram desta segunda definição com o Demônio da Argélia (Pepe Le Moko, 1937), sua obra-prima.
Ambientado em um burgo na Argelia, filmado como um formigueiro humano labiríntico, onde se esbarra com todo tipo de gente, logo na primeira cena tomamos parte de toda a motivação do filme, o local em questão é o lar do gangster parisiense Pepe Le Moko (que empresta o nome ao título original), que tem respeito e proteção de todos com a exceção de alguns informantes, que por ajudarem a polícia não devem ser confundidos com pessoas íntegras, são ratos atrás de uma vantagem maior. Pepe se mantém em seu reduto onde sempre há alguém para acender seu cigarro, e sabe ele que colocar o pé fora Dalí é decretar a própria prisão, já que uma equipe policial francesa o persegue insaciavelmente há muito tempo ao estilo de cooperação grupal hawkisiana ou ao modo Fritz Lang de encruzilhadas e estratégias, que influenciou cineastas como Jean-Pierre Melville.
Le Moko nunca realmente está em perigo e sabe disso, mas no fundo de sua persona fria e violenta esconde um romântico nostálgico que vagarosamente vai lhe trazendo para a realidade de sua real situação, a de que apesar de todo esforço policial para prendê-lo, ele já se encontra encarcerado e com a liberdade restringida ao minúsculo gueto, portões, grades e corredores claustrofóbicos são freqüentemente filmados pela câmera de Duvivier. Sua sensação de desconforto vai aumentando até estourar ao se envolver com uma jovem francesa, que, de fato, é a personificação da Paris que tanto lhe faz falta.
Sua situação passa a ser obvia a ele e Duvivier obre espaço para falar do tempo que já se foi, dos sonhos que se esvairaram no passado, de uma realidade em decadência que antes era gloriosa e o choque de que tudo isso não voltará mais, mesmo que sob a ótica de um gangster. A jovem escapa das mãos de Pepe como sua própria vida e seu passado que a ele não pertence mais e que nunca mais terá, apenas na memória. E aquele desfecho deixa claro que mesmo que se esforce Pepe não terá mais aqui já possui.
Jean Gabin, dos maiores atores franceses, dá vida ao gangster e com aquele desempenho contundente e seguro ele se firmou na época como um dos preferidos daquela geração de realizadores e manteve uma parceria bem sucedida com Duvivier. Retrato social romantizado, O Demônio da Argélia, é um das obras definitivas sobre a passagem do tempo e seu efeito sobre os sonhos e desejos pessoais, além de uma obra policial influente na Europa.
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