Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, O
A figura de Antônio das Mortes, entre o céu e a terra, corta a imagem da paisagem quase sem vida, engatilha sua winchester e atira! Escuta-se um berro de agonia. Um cangaceiro com as mãos nas tripas aparece estrebuchando e cai morto. Antônio das Mortes, o matador de cangaceiros, cumpriu mais uma missão.
Com esta cena Glauber Rocha dá inicio a um dos marcos do cinema, O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro também conhecido Antônio das Mortes, com o qual foi premiado no festival de Cannes em 1969, como melhor diretor.
Glauber realiza uma saga universal e primitiva sobre a construção do poder encravada em uma terra seca, o sertão nordestino brasileiro, que rechaça a existência da vida. Terra que homens teimam em cercá-la e apropriar-se, em meio à miséria, ignorância e desgraça do homem sertanejo. Entre opressores, os coronéis latifundiários, e oprimidos, o povo, nasce o cangaço, bando armado organizado, contrário ao status quo dominante, representado por Lampião e Corisco, cangaceiros e personagens centrais e míticos nordestinos que ganham força de heróis na epopeia alegórica de Glauber.
Os coronéis com sede pela manutenção do poder buscam a todo custo perpetuar o domínio político e econômico respaldado em propriedades, conquistadas por vezes a toque de expropriações. Passam a contratar pistoleiros contra os insurrectos cangaceiros, quando entra em cena Antônio das Mortes, um perseguidor implacável e matador dos famigerados cangaceiros.
O prólogo da saga glauberiana começa com Deus e o Diabo na Terra do Sol de 1964, na caçada de Antônio das Mortes por Corisco, o diabo loiro, último remanescente do bando de Lampião que foi morto em tocaia por soldados do governo. Aqui, Antônio das Mortes é um justiceiro e personifica a morte que ronda o sertão, insensível a tudo e a todos, possui um senso de justiça próprio e uma moral às avessas, seu único desejo é remir o mal e a miséria do mundo através da violência.
Em Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, ele continua com sua sina de matador, reaparecendo ao tomar conhecimento de que Lampião está de volta reencarnado num certo cangaceiro chamado Coirana. Cético do sucedido, Antonio encaminha-se por conta própria até a pequena cidade de Jardim das Piranhas e lá recebe a proposta do coronel local, cego e saudosista de suas riquezas, por meio do delegado para dar cabo no farsante e no povo que o acompanha.
Antônio: "Tu é verdade ou assombração / Diga logo, cabra da peste / Eu de minha parte não acredito / Nessa roupa que tu veste!". E parte para o duelo de força a facões com o impostor, o ferindo mortalmente. Mas para Antonio nem tudo é como era antes, inicialmente o diabo e o dragão, agora tem sua fúria contida por Santa Bárbara ou Nhançã, que acompanha Coirana, após o duelo, o mundo de Antonio cai e seus olhos se perdem no vazio, a voz dos mortos novamente o assombra: “É matando que ocê ajuda seus irmãos? / A Culpa não é do povo, Antonio!”. A miséria e a desgraça do desvalido sertanejo não é mais desculpa para matar.
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