O filme que marca o fim da tríade de incomunicabilidade de Antonioni é o seu mais radical exercício de estilo, aproximando surrealismo, neo-realismo e romance em prova de conteúdo e estilo, o diretor atingindo um de seus cumes. A tão chamada trilogia da incomunicabilidade responde à apenas um período na carreira do diretor (que na verdade seguiu trabalhando sobre o assunto através dos anos). O que é notável em O Eclipse (L' Eclisse, 1962) é exatamente esse tom alegórico do diretor (que além de realizar o seu ultimo filme em preto-e-branco) encerra seu filme como um fenômeno soturno, em nota de bela, mas triste e pessimista conclusão, com a esfacelarão do que vinha a dispersar durante todo o filme.
Da mesma trilogia, O Eclipse é sem dúvida o filme de leitura mais atraente e de compêndio mais rico dos que realizara. Narrando novamente um conto sobre relacionamentos, com uma mulher (Vittoria, interpretada pela musa do diretor e que fora sua esposa, Monica Vitti) que acaba de terminar com o namorado (logo em uma espécie de prólogo, no qual o término do relacionamento não apresenta nada de novo no que vimos nos demais filmes do diretor), sem nada à dizer, e o esforço em vão de reanimar uma relação já sepultada pelo tédio e falta de comunicação, com os quadros se aproximando e logo se distanciando congelando os olhares tristes, de um relacionamento no fim das contas apenas clandestino; e depois conhecendo um corretor da Bolsa de Valores, chamado Piero (Alain Delon), iniciando uma história marcada pelo devaneio incerto de amor e futuro.
Na concepção simbólica de universo que Antonioni deseja encenar, todos os seus recursos são levados às ultimas circunstâncias. Diálogos fora de plano e inaudíveis (em especial uma cena extraordinária de A Noite [La Notte, 1961], com o casal de Mastroianni e Moreau aparentemente se acertando, em uma conversa dentro de um carro em movimento na chuva, com as janelas embaçadas e até o final a incerteza do que foi dito), e no caso as geniais cenas na Bolsa de Valores onde reina a gritaria de corretores e empresários, mas nada realmente pode ser ouvido e tão menos compreendido. A rotina e os longos horários findados pouco à pouco exaurindo os personagens ao cansaço e ao vazio - excluindo a possibilidade de maiores expressões e evasão de sentimentos, anulados pela automatização das relações humanas. Tudo expelido sem dó pela decupagem precisa e única do diretor para a versão de falas e semblantes, isso quando não vaga pelas ruas sem rumo, sem nunca dar continuidade à dissipação eterna de imagens e sons e a reflexão direta do autor em relação ao mundo contemporâneo.
Com isso, Antonioni projeta uma mentira, ergue-se um amor ou paixão aparente que se desenrola no ato pouco descomunal de contato, nos furtivos e efêmeros jogos de sedução que se iniciam nos cômodos, e por lá terminam - que vão adiando cada vez mais a consumação e a entrega ao amor. A pendência que se estabelece vende uma ideia, para que no fim se estilhace. Assim caminha o trilho da sugestão, pela epítome das frases, a mais famosa: "queria não te amar, ou te amar melhor", dita por Vittoria. Eis uma relação ilusória, que jamais abandona o campo físico - e que no mundo de Antonioni não poderia sequer se sustentar. O painel que gradativamente vai se edificando com o calor humano, é contra-plano da natureza opaca, limitada e incapaz daqueles personagens, que na porta do paraíso não são capazes de se abrirem e consignarem por definitivo suas verdadeiras emoções.
A sequencia final (como instância fundamental da fotografia eficiente e tridimensional de Gianni di Venanzo) que vai de Buñuel à Teshigahara, com a representação derradeira e apocalíptica de fim de um ciclo (com a ultima imagem de Alain Delon frisada e inesquecível quinze minutos antes do final), e a ocorrência do fenômeno celeste mais soturno e porque não, belo de todos, o eclipse, e talvez o inicio de algum outro relacionamento qualquer, em algum outro lugar, onde caminhará o asfalto vazio com construções incompletas e mais casais de mãos dadas, mas na incompletude do silencio e a consequente incapacidade de amar.
Postado no injecaocinefila.wordpress.com
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