“Todo filme é um ótimo filme quando há muita ação e pouco diálogo." – John Ford
O que o mestre realmente quis dizer com a afirmação acima é referido a atmosfera da obra ser sempre mais importante do que as falas, as quais geralmente tentam empregar o tom através das bocas de quem vive a história. Isso é uma característica do cinema contemporâneo (A Nouvelle Vague da França e o Cinema Novo do Brasil provam isso), e aquilo uma estatística fílmica antiga a ser lembrada principalmente por ter sido profanada por quem foi. Afinal de contas, se imagens + sons não fossem o suficiente para se criar uma ópera cinematográfica então 2001, Tempos Modernos ou Era uma vez no oeste seriam ridicularizados até hoje. Talvez, pensando bem, o maior desafio artístico dos diretores do século 21 vem sendo equilibrar o visual com o sonoro, em prol de um contexto sólido, devido ao vasto e tentador repertório técnico disponível para/pela a indústria. Poucos “novatos” deixam a balança equalizada (Cláudio Assis e David Fincher provaram ser dois dos melhores exemplos, com os exuberantes A febre do rato e A rede social), e outros, os que já chegaram no cume da carreira, fazem óperas intimistas com a mesma facilidade do pobre infeliz que pensa estar escrevendo o filme enquanto apenas escreve o roteiro... Roman Polanski é, tranquilamente, e com toda a honra por ser o melhor diretor vivo do mundo hoje, O maestro dos tempos atuais – sendo que tal constatação habita seus filmes antes mesmo de seu Oscar, fruto descendente do seu melhor fruto.
O escritor fantasma, produto também cheio de glória, deve ser merecidamente considerado pelos observadores de plantão um dos melhores thrillers da década de 2000. Outros exemplares de respeito (Onde os fracos não têm vez, Oldboy, A vida dos outros, Colateral, Sobre meninos e lobos...) disputam o título honorário igualmente, porém poucos detêm de uma consistência, o charme e o domínio que o diretor de A repulsa do sexo, Chinatown e O inquilino atribuiu a uma trama aparentemente simples, filmada de forma humilde, sem ação e com aproximadamente 50% do tempo preenchido por diálogos de introdução, sempre com algum aspecto novo em novas circunstâncias. Como em todos os trabalhos já citados, Polanski extrai o surpreendente do comum, não o elemento chocante, mas o expressionismo do subjetivismo. Adjetivo para definir O escritor fantasma: Orgânico.
Assistir por quase duas horas ao fluxo interrupto de um rio calmo e cheio de piranhas, e só saber que há piranhas sob a água pois uma de repente pulou pra fora e picou a sua perna, é a mesma sensação ao assistir a obra em questão. A história nunca se exalta, nem é arrogante, e há apenas uma cena intitulada “clímax” pelos espectadores categóricos que vale a pena ser lembrada, e mesmo assim os detalhes, aqueles que fazem toda a diferença (Presentes inclusive nas produções de Ford), ínfimos e invisíveis para quem não sabe vê-los garantem o nó na garganta que parece se fechar cada vez mais, ato contínuo proporcionado pela fotografia extremante fria, as expressões gélidas de pessoas tão desprovidas de calor humano quanto exala seus ambientes de linhas retas, e a trilha sonora sombria (Para exprimir em palavras) de Alexandre Desplat, diferente de tudo em que Polanski já tentou, em outras palavras, mais moderna, triste e mais influente no tratamento da trama dona de tudo o que já foi lido. Aliás, a trama...
Ewan McGregor é o protagonista homônimo da história, o estranho no ninho em um ambiente imprevisível de um senador recluso em uma mansão tecnológica, a fim de escrever suas desconfiáveis memórias políticas o mais rápido possível. A Inglaterra, mais uma vez, serve perfeitamente para mostrar um noir moderno, uma história realista, não conformista, que sofre da maturidade de quem a rege sem pulso firme – o fluxo de um rio não é ditado por suas curvas. O escritor fantasma não tem como missão investigar o fluxo psicológico das personagens mutáveis nas ações e movediças de caráter, até porque essa tarefa já foi preenchida em outras eras de Polanski. Caracteriza-se por si só como cinema elegante, pulsante e despretensioso em uma amplitude maior em relação a algo que engloba todas as possibilidades de um contexto interno, e dos inúmeros âmbitos aprovados por um ponto de vista sensorial, é claro. E é ai que prevalece a lição de John Ford, lado a lado com as de outro polêmico maestro ocidental.
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