Não tem erro a fórmula é a mesma e a regra é clara: basta um cineasta fora das terras do Tio Sam se destacar mundialmente, vai pra Hollywood. Vide Guilhermo Del Toro, Wolfgang Petersen, Jean-Jacques Annaund e por aí vai. Alguns dos nosso também se aventuraram em terras norte-americanas como Walter Salles, Meirelles e recentemente, José Padilha também. Cineastas asiáticos, claro deram suas caras por lá e em 2013 foi a vez do conceituado sul-coreano Joon-Ho Bong ter uma obra lançada com selo fora de seu pais natal. Entretanto, Joon-Ho não foi tão bem aventurado assim, já que o lançamento de seu último filho teve sua distribuição totalmente conturbada, vários adiamentos e por fim até mesmo picotes e edições. Não se sabe até que ponto a obra é totalmente de sua autoria, mas "O Expresso do Amanhã" se mostra um drama/ficção cientifico corajoso e extremamente original...
Mais uma vez o pano de fundo é a destruição da humanidade e dos recursos naturais, com um mundo pós-apocalíptico os poucos sobreviventes da raça humana são obrigados a viverem em um imenso trem criado pelo engenheiro/cientista Wilford. Obviamente, os vagões são separados entre os pobres, classe média e os ricos. O filme é baseado em uma Hq de autoria de Jacques Lob, Benjamin Legrand e Jean-Marc Rochette e com roteiro do próprio Joon-Ho em parceria com Kelly Masterson. A historia mostra essa locomotiva auto-suficiente, forte o bastante para furar seu caminho por entre o gelo que domina tudo e todos. Não existem estações para o Snowpiercer (nome do trem), ele se move sem parar, eternamente alguns diriam. Quando completa seu trajeto (um círculo desforme ao redor do globo), todos a bordo celebram com palmas o aniversário de 365 dias completos. Pode parecer um pouco bobo esse enredo, mas no final se mostra um soco na hipocrisia da sociedade atual...
Como disse o filme foi bastante picotado e muito mexido por parte dos produtores então a película apresenta inúmeros furos no roteiro e infelizmente as questões e dúvidas levantadas ao longo da trama, são apenas amenizadas no seu final, nada fica totalmente claro e a frustação nos toma de forma bastante chata. Alguns absurdos são mostrados na tela e temos duas escolhas; aceita-los de cara ou questiona-los ao extremo e nos frustrarmos ainda mais. O que mais assusta sobre a trama é que a todo instante fica claro que o que é mostrado na tela, caso ocorra situação semelhante, poderia muito bem se realizar de verdade. Nós seres humanos, somos individualistas e egoístas, não ligamos para o próximo e só pensamos em nós mesmos. Claro que existe uma ou outra exceção, mas em suma maioria somos assim é nossa natureza não tem jeito. Por mais que a forma do roteiro escorre bastante, a força dessa história em si é bastante chocante, ainda mais quando ficamos sabendo que a terra congelou justamente pelo fato de que cientistas estavam querendo acabar com o aquecimento global.
Joon-Ho emprega aqui todos as manas e cacoetes que o tornaram destaque mundial por suas obras. A narrativa lenta, a apresentação dos personagens, o acompanhamento da câmera no corpos dos personagens, os plano-sequência e tudo o mais está aqui. A fotografia também, como de costume está soberba, sempre optando por cores acinzentadas ele opta por vezes utilizar um pouco azul, mas somente nas tomadas envolvendo a terra congelada. O lirismo oriental não ficou de fora também, muito bem executado, como disse os elementos que destacaram Joon-Ho ao longa de sua carreira, mesmo com os cortes não se perderam nesse Sci-Fi. "Memórias de Um Assassino", "O Hospedeiro", "Tokyo!" e "Mother", todos possuem suas semelhanças com essa sua ultima cria...
Um dos outros acertos do diretor é sua mistura multicontinental por parte de seu elenco. O Tocha-Humana/Capitão América por incrível que parece entrega uma atuação digna para seu Curtis. O líder da rebelião é muito bem executado, desde quando ainda oscilava entre pupilo/mestre até seus momentos mais dramáticos e explosivos. Todos estão bem em seus respectivos papéis, todos mesmo sem ressalvas. O veterano John Hurt sempre charmoso e austero e fechando o time temos o bônus de Jamie Bell, Octavia Spencer, Ed Harris a irreconhecível Tilda Swinton e o companheiro de longa data de Joon-Ho, Kang-ho Song emprestando aqui sua porra-louquice de sempre. Visualmente belo, com excelentes efeitos especiais, "O Expresso do Amanhã" nos leva como passageiro em um caminho tortuoso, sangrento e sem volta por vagões cada vez mais exóticos e desconhecidos, sempre com uma energética surpresa. A claustrofobia suja toma conta de nossa mente, sem cerimônias sem espaço, como os corredores dos trem. A coreografia das cenas de lutas são belíssimas e tudo é sombrio e desfigurado... Uma imersão distorcida, porem realista da sociedade...
A pós-produção e o roteiro prejudicaram bastante o resultado final, mas a idéia central é demais. Mais do que os textos em si, meu caro Lucas, parabéns pelos filmes escolhidos.
Poxa, obrigado a você meu caro, por sempre ter um tempinho para ler esses textos... Tive que escrever sobre esse devido ao fato de ser a primeira incursão de Joon-Ho fora da Coréia do Sul...
Tem quem não curta, mas O Hospedeiro é muito bom.
Eu até hoje gostei de todos os filmes dele que assiste, "Memórias de Um Assassino" e "Mother" também são ótimos...