O amor não correspondido. E pior, de um filho pelo pai.
Esse novo filme dos irmãos 'Dardenne', vencedor do Grande Prêmio do Juri em 'Cannes', pode levar a crer que seja um filme feliz, gostoso, e emocionante (principalmente em função do cartaz). Muitíssimo pelo contrário. Os Dardenne traçam a trajetória do menino 'Cyril' de maneira crua e muito forte. Cheguei a pensar em parar de assisti-lo duas vezes. Cyril está longe de ser um menino bonitinho e engraçadinho que conquista o público com um primeiro olhar. Sua desesperadora busca pelo pai, que o deixou em um orfanato dizendo que seria por um mês até conseguir dinheiro para o sustento dos dois, o transforma num garoto rebelde, agressivo, e desacreditado devido às respostas negativas de sua busca. O foco narrativo de 'O Garoto da Bicicleta' gira em torno da crise familiar e desse comportamento instável do jovem rapaz que só quer viver com seu pai e ter de volta sua querida bicicleta.
A câmera dos Dardenne é um dos elementos primordiais para entrarmos a fundo nas crises internas do personagem. É possível até mesmo sondar o interior e os sentimentos do garoto durante suas decepções. Para isso, os diretores constroem cenas bem simples, em lugares urbanos, quase sem o auxílio de trilha sonora, primordial para as suas ideias, mas de uma carga emocional tão pesada, tão dramática que é quase impossível ficar indiferente diante do que está acontecendo frente aos nossos olhos. 'Guy', interpretado por Jérémie Renier, parceiro dos irmãos diretores, é o pai de Cyril. O cara some do mapa, não telefona para o filho, e muito mesmo lhe dá sinal de vida. O garoto, com a promessa de voltar pra casa após um mês, foge do orfanato em busca do pai, mas é recolhido de volta. Nessa tentativa frustrada, ele conhece 'Samantha', a bela Cécile De France que parece ser a luz e a bondade em pessoa. Samantha o adota durante os fins de semana e lhe ajuda em sua busca pelo pai, até porque Samantha aparenta ser uma figura que almeja uma responsabilidade materna. Lembra muito Maria de Medeiros no filme nacional O Contador de Histórias.
Desde o início, o filme parece ter um objetivo muito firme e é trabalhado de forma sutil conforme a crueza e agressividade das cenas e do trágico caminho trilhado por Cyril. Sempre correndo, ou pedalando, Cyril tenta de todas as formas se reaproximar do pai, o que o faz aceitar a participar de um assalto. A longas cenas também é uma grande aliada à narrativa envolvente do filme. Nunca sabemos o que vai acontecer e nosso interesse para com a situação se mantém, como na cena da conversa com o rapaz traficante. Não se sabe a verdadeira intenção do rapaz, se é estuprá-lo, matá-lo por ter agredido um de seus amigos, ou o que seja. Cenas filmadas sem movimentos, apenas focando a situação, ou as expressões do garoto montado na bicicleta ao voltar do restaurante do pai, por exemplo, junta todo tipo de sentimento após levar um baque como aquele.
Cyril por vezes beirava o insuportável, (confesso!) ao se mostrar um garoto extremamente autoritário e rebelde daqueles que nos faz pensar que uma boa surra daria jeito, e a grande atuação do menino Thomas Doret humaniza o rapaz e o torna o alvo do individualismo moderno, da sociedade não altruísta e sem amor. Samantha é quem vê em Cyril um rapaz que necessita de amor e cuidado e principalmente de uma infância saudável, longe das más companhias, e de um lar unido como qualquer família precisa. Na verdade é esse dever ou desejo materno que dá forças à Samantha para suportar um menino tão rebelde e difícil. Os Dardenne pode se perder no caminho ao levantar o dilema entre Samantha e seu companheiro no velho "Eu ou ele", ou na mudança quase brusca sofrida pelo menino a partir do terceiro ato, quando subitamente deixa de ser o agressivo marginal em construção para se tornar um garoto doce e dedicado à guardiã. Mas não afeta o filme ao todo. Ou quase nada!
O Garoto da Bicicleta não é um filme fácil. Esses temas de relações familiares, de pais e filhos na maioria das vezes me arrebatam. Os diretores não limitam suas agressividades e filmam cenas fortes e de estilhaçar o coração. Inaceitável ver um filho ser rejeitado pelo pai como na primeira cena do restaurante, onde ouve do próprio pai que não irá mais ligar e que não quer mais o ver. Mais triste ainda é a segunda cena do restaurante. Frustrado, o menino vai embora, e uma trilha sonora de no máximo 15 segundos que é capaz de nos jogar no chão.
http://cineindiscreto.wordpress.com/2012/03/05/o-garoto-da-bicicleta-jean-pierre-dardenne-e-luc-dardenne-2011/
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