“Ainda existem reflexos fracos de civilização neste matadouro bárbaro que já foi conhecido como humanidade... Ele era um deles. O que mais há para dizer?”
O Grande Hotel Budapeste é uma das grandes homenagens à arte de contar histórias do cinema recente. Histórias contadas através da simples troca oral, da literatura e do cinema também, claro. Daí que o filme se torna uma homenagem também às essas três coisas, através da história contada ao escritor interpretado por Jude Law pelo dono do Hotel Budapeste do título, Zero (papel de F. Murray Abraham), sobre como nos anos 30, quando ainda era o lobby boy (interpretado pelo jovem e surpreendentemente talentoso Tony Revolori) do hotel-título, viveu uma grande aventura ao lado do então concierge do hotel, monsieur Gustave (o excelente Ralph Fiennes), na fictícia República de Zubrowka. Uma aventura que envolve um valioso quadro roubado, a herança de uma idosa hóspede vitalícia do Hotel (Tilda Swinton, sob pesada maquiagem), um assassino sanguinário (Willem Dafoe, divertidamente assustador) contratado pelo filho dela (Adrien Brody), uma fuga da prisão, o amor entre dois jovens e uma guerra prestes a explodir. E muito mais coisas que só a mente criativa de um autor irrequieto como Anderson poderia bolar, claro.
Tudo “desculpa” para Anderson brincar mais uma vez com a literatura – através da divisão da história em capítulos e da narração em off do personagem de Abraham, que não hesita em incluir um “ele disse” antes que possamos realmente ouvir o que o personagem disse – e com o próprio cinema, o que lhe permite alterar a razão de aspecto da obra entre três diferentes proporções que referenciam as próprias épocas vistas ao longo da narrativa – o 1.37:1 nos anos 30, que transforma a tela em um quase quadrado durante boa parte da obra; o 2.35:1 nos anos 60, quando Zero e o escritor conversam; e , finalmente, o 1.85:1 nos anos 80, quando podemos ver o escritor já mais velho (na pele de Tom Wilkinson) e o livro resultado do diálogo de 20 anos antes. E não digo “desculpa” como uma maneira de alfinetar o diretor, esteta de mão cheia, como muitos fazem. Anderson é um autor que encontra razão para inserir suas marcas-registradas claramente identificáveis em seus longas. Indo mais além, os longas de Anderson PRECISAM de seus quadros perfeitamente simétricos, das cores gritantes, dos travellings que acompanham os personagens, dos locais que se tornam praticamente personagens dentro do filme – já tivemos a casa de uma família, um trem, um submarino e agora um hotel -, etc. É a partir daí que identificamos que o universo próprio dos filmes do cineasta. Um universo que parece compartilhado por toda a sua filmografia, mas surge sempre único.
Porém, se é fácil admirar tecnicamente O Grande Hotel Budapeste – e é muito fácil, já que além da estética fascinante de Anderson, a produção apresenta um trabalho fabuloso de direção de arte, que cria o melhor lugar-personagem da filmografia do cineasta até aqui (o Hotel Budapeste empalidece até o submarino de Steve Zissou), mais uma bela trilha sonora de Alexandre Desplat, que assim como em suas outras duas colaborações com o diretor, O Fantástico Sr. Raposo e Moonrise Kingdom, casa perfeitamente com a atmosfera da produção, além da fotografia singular de Robert Yeoman, que acompanha o cineasta desde seu primeiro filme -, pela primeira vez desde Pura Adrenalina (ainda único deslize de Anderson, mas relevado por ser seu primeiro filme, quando nem ao menos era “o” Wes Anderson) os personagens do universo criado pelo cineasta parecem ter sido criados com menos cuidado. Sim, Zero e Gustave são tão apaixonantes quanto a dupla principal de Moonrise Kingdom ou o trio de protagonistas de Três é Demais, mas os coadjuvantes nunca se tornam tão adoráveis e marcantes quanto aqueles vistos nessas obras, ainda que defendidos por ótimos atores recorrentes em parcerias com o cineasta – Owen Wilson, Bill Murray, Edward Norton, Adrien Brody, Willem Dafoe e Jason Schwartzman. O que contribui para tornar esse o filme de menor força dramática de Anderson, já que seus personagens secundários parecem castrados de dilemas próprios.
A sorte passa a ser então contar com dois atores inspirados nas posições principais do filme. Se Tony Revolori em sua estreia em longas-metragens se mostra uma grata surpresa ao duelar de igual para igual com um ator do calibre de Ralph Fiennes e segurar as pontas mesmo quando precisa sustentar algumas cenas sem o companheiro, Fiennes torna o excêntrico Gustave o seu melhor papel em muitos anos, apostando em uma composição diferente de tudo que já fez em sua carreira e surpreendendo em cenas que a mera cadência empregada em suas falas divertem o espectador. Além disso, se aposta menos naquela melancolia que tanto se fazia presente em seus filmes posteriores, vale dizer que o humor de Anderon continua afiado e foi aperfeiçoado aqui, seja nos diálogos espirituosos escritos pelo cineasta, seja na maneira como ele arranca humor de cenas apenas através do uso de movimentos de câmera – como quando parado em frente ao gigantesco portão de uma prisão, um personagem descobre que a entrada é uma portinha ao lado.
Sofrendo com quedas de ritmo ocasionais que passam a impressão que a narrativa não avança, O Grande Hotel Budapeste, no entanto, sempre se recupera graças ao talento de seu diretor que antes tarde do que nunca foi reconhecido por público e crítica, recebendo um sucesso de bilheteria e de premiações que poderia já ter vindo com seu Três é Demais, mais de 15 anos atrás.
E eu não tava botando fé que o filme ia levar muita estatueta pra casa, de 5 indicações levando 4 foi excelente!
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