Este retorno à Terra Média por parte de Peter Jackson viera mediante muitas discussões acerca de quem capitanearia o projeto, enfim ficaria com um cara que entende bastante do riscado. A idéia seria construir um caminho utilizando-se desta obra para que se fizesse um link com Senhor dos Anéis, afinal há algum tempo as trilogias agoras são de 6 filmes não é?
A história parte de um pressuposto bem mais simples que SDA. Pretende-se expor a jornada de Bilbo Bolseiro como parte de uma comitiva de anões para que estes últimos reestabeleçam sua moradia cavernosa/montanhosa tomada pelo dragão Smaug muitos anos antes.
Bom, primordialmente, para muitos, inclusive eu inicialmente, 3 filmes seriam puro exagero para uma história relativamente simples que viesse a justificar estes longas, e cada um com mais de 2 horas e meia na média. Porém com o número de possibilidades que a literatura de Tolkien possibilita, muito poder-se-ia extrair e que tudo viesse a compor bem este recomeço. Neste primeiro filme os trâmites iniciais já se delongam mais que o suficiente, o que já indica de cara a pretensão de Jackson: Agradar aos fãs com cenas absurdas, homenagear a obra de Tolkien e ganhar muita grana. Porra nada contra, tudo a favor até, mas o enchimento de linguiça prejudica a concatenação do todo.
Quase 40 minutos para a comitiva anã tirar o time da casa de Bilbo é um puta exagero. Aqui já mora uma tentativa de Jackson de repetir percalços e acertos de SDA (quase impossível não citá-lo diante da proximidade de algumas searas) no primeiro filme. Aquém destes exageros está a parte técnica belíssima que nos brinda com um ótimo trabalho de fotografia mesmo com a já conhecida ambientação dos filmes anteriores, Jackson consegue grandes quadros que expõem com detalhes tudo o que se procura entender e quase sempre com estofo técnico invulgar. Sempre há de se citar as interessantes referências à SDA, sejam elas explícitas ou implícitas sempre funcionando relativamente bem para com o futuro encaixe da saga.
Ponto positivo aqui fica a citação análoga à ganância humana metaforizada nos orcs, nos anões e majoritariamente em Gollum. Posteriormente o crescimento deste desejo deverá ser propiciado à Smaug no controle da montanha solitária e em Thorin quando tomar de conta da montanha nos filme posteriores. Aqui quase tudo nesse aspecto numa boa medida.
Porém um dos grandes problemas deste filme é o excesso do tom de auto-importância da saga e de seus personagens. Isso fica claro e insosso com os mais variados planos contra-plongé em câmera lenta que nos cansam ao sempre enaltecer a figura de Thorin como salvador ninja dos anões. Em um determinado momento onde se conta como houve uma batalha pela montanha após a tomada do Dragão em um combate com o exército Orc comandado pelo orc albino Azog (excelente passagem em flashback por sinal, uma das mais fantásticas do filme), fora do flashback propriamente dito, o tom do exagero na auto-importância beira o ridículo. Como se a todo momento deva-se ficar prestando reverência e lembrando a todos de 5 em 5 minutos sua importância. Simplesmente enche o saco e não acrescenta quase nada ao que já sabemos. Torna-se um repetitivo mais adiante.
No tocante ao exagero fica bem claro o quanto Jackson pretende encher os filmes de sequências de ação exageradas (muito bem feitas em sua maioria) cito o exemplo da sequência longa na montanha dos orcs, onde como importância narrativa está uma das cenas mais esperadas: o encontro de Bilbo com Gollum e o anel. Jackson é esperto, aproveita o ensejo de tal cena para compor um clímax na ação com os anões enquanto Bilbo joga com Gollum para conseguir escapar dele. Assim como já o fizeram em SDA As Duas Torres com o pau comendo de um lado em batalhas épicas e o contraponto narrativo com Barbárvore na floresta. A diferença é que em o Hobbit muito do todo fica na percepção da inutilidade. O exagero atropela a narrativa por vezes. Até no terreno do humor, onde os anões tem quase por obrigação serem bufões e idiotas, mas na hora do pau viram monstros de combate. O humor funciona bem pouco.
O tratamento dos personagens é interessante aos principais Bilbo e Thorin, onde os dois travam duelos de descofiança, porém até o imenso clichê da "reconciliação" na base da frescura ao fim do longa. Onde existe a velha repetição narrativa farsesca do "esculhambar antes pra abraçá-lo depois de tudo" tem nesta cena. Martin Freeman como Bilbo representa bem a essência do que um hobbit teria mediante os trabalhos anteriores e já no primeiro filme já nos traz uma boa transformação de seu personagem, na medida e sem pressa (bom ponto para Jackson aqui). Enquanto Richard Armitage como Thorin toma conta de cena em liderança e rispidez como já era de se esperar. Agora quanto ao resto tudo na base do automático onde os outros personagens simplesmente não tem camadas a crescer (a não ser Ken Scott como o anão Balin que expõe o contraponto da revolta anã de sempre com sua sabedoria e complacência). Radagast como um mago tresloucado para um paradoxo com a calmaria de Gandalf não funciona quase em nenhum momento, não pela interpretação, mas sim pelo exagero na idiotia infantil dessa figura, apenas defendida esta afetação com uma frase dita por Gandalf algumas vezes de que Radagast é sábio à sua maneira numa espécie de defesa pálida ao respeito às diferenças. Gandalf está quase no mesmo ponto onde começara SDA, então McKellen só mantém o que de bom já fizera antes. O interessante seria um melhor tratamento dos conflitos que dar-se-ão no segundo filme para que tudo não ficasse atabalhoado. Sim, um filme de quase três horas que deveria se preocupar mais nos conflitos das figuras do que a exposição das mesmas à cenas de grande apuro técnico.
A parte técnica como já fora citado aqui, fora um grande ponto positivo onde nos lembramos da qualidade de SDA em diversas composições inspiradas de Jackson. Trilha sonora esperta evocando alguns temas já conhecidos por meio das citações já causa interesse nesta obra (mesmo com um pouco do enchimento de saco dos anões cantando ao início do filme). A direção de Jackson não compromete como um todo e, apesar dos vários exageros e infantilidades tanto da narrativa quanto do roteiro, ele sustenta bem o filme diante da responsabilidade de dar continuidade a um gigante do mainstream. Não faz frente à SDA, mas posta-se bem como um início que causa algum interesse esperto para uma saga já tão aclamada por crítica e público.
Ótima crítica.
Opa. Obrigado mestre.