Um desperdício de potencial sem precedentes.
Geralmente, nos meus comentários, não apresento a sinopse do filme comentado; nunca achei necessário, porque sempre assumi que quem viesse ler já sabia de que tratava o filme. E, aqui, também não sinto falta de apresentar a sinopse. Porém, para aqueles a quem o hype deste filme tiver passado ao lado, digo que este filme teve bastante hype. Quer dizer, os terrores atuais raramente têm um hype digno do nome, são quase sempre ofuscados por blockbusters, candidatos ao Óscar e isso tudo. Contudo*, às vezes, há realmente aqueles terrores que conseguem ficar um bocadinho popularizados porque, de repente, há uma quantidade inesperada de críticas positivas e/ou o filme é apontado como água no deserto, ou seja, como uma obra mais original num género tão "desgastado" como é o Terror - embora se façam bastantes terrores bons regularmente; Sobreviventes (2014), por exemplo, merece mais atenção. E o hype de O Homem nas Trevas foi mais ou menos esse tipo de hype, só que um bocadinho maior. Só um bocadinho. E depois, claro, estavam os antecedentes do filmes. Refiro-me à sinopse e o trailer. A sinopse dava a entender que o filme partia de uma das melhores ideias do séc. XXI - não, não acho que esteja a exagerar; é uma ideia magnífica, embora não tão original como se possa pensar; até começa a tornar-se uma moda, os filmes de terror em que as vítimas(?) retaliam com força, pois Você é o Próximo, Invasores (2015) e (aparentemente) Hush fizeram isso antes do filme de Fede Alvarez - e o trailer prometia um jogo de gato e rato em que o cego jogava em relativa igualdade com os bandidos, porque estava tudo escuro.
* - Meia Dúzia, de Carlos Paião, haha!
E foi bastante por causa da expectativa que me criou esse hype, essa sinopse e esse trailer que levou a que este filme se tornasse uma grande deceção e mais um modo de lembrar que alguns trailers são mentirosos, CORTA!, enganadores até dizer chega (Cisne Negro que o diga. Coitada da minha avó, a pensar que ia ver um drama comovente sobre ballet, hehe...). Sim, tinha uma grande expetativa em relação a este filme. E tudo o que ele tinha de fazer para corresponder a ela - pois, como se o filme fosse meu subordinado, haha! - era fazer uso do jogo na escuridão. Mas...sai um desperdício mal passado! Para a mesa 6! :P Eu até podia complicar a explicação, mas o problema principal de O Homem nas Trevas é muito simples: num filme de cerca de 90 minutos, só perto de 10 minutos mostram cenas do jogo de gato e rato! Ou seja, 10 minutos a fazer aquilo que muitos de nós vieram ver! Caramba, desperdício aqui até parece eufemismo! Praticamente não há palavras para expressar o quão desalentador isto é...os restantes 80 minutos do filme têm quase todos luz a mais, som a mais, animação a mais. Tanta correria para um filme que devia apostar mais na calma e no suspense...ai, ai!
Bem, depois de acabado o jogo na escuridão (tão cedo?), sobram algumas coisas no filme. A trama B da mulher que o cego raptou tem algum interesse, mas...não sei, não é nada de extraordinário. Além de a pobre mulher nos ser apresentada através de um susto tipo "Boo!" (aquilo que os ingleses chamam, e bem, "jump scare"), o que achei bem estranho. Aliás, nessa altura do filme, já eu estava a achar que era absurdo um filme com tanto potencial para suspense apostar tanto no jump scare. É como um filme das Tartarugas Ninja a apostar muito em longas cenas de diálogo e debate. Seja como for, posso ter contado mal, mas este filme tem pelo menos 5 jump scares. O que é meio absurdo, pois para um filme deste género, 3 jump scares já é muito. Bem, a ironia é que, ainda depois da trama B, há a parte em que Rocky sai da casa do cego e consegue chegar ao carro...e é aí que começa uma das melhores partes! Adorei a referência a Cujo desde o início e, posso dizer, foi muito bem executada a referência e também todo o restante da cena. Bom jogo de câmara, bom suspense, boa ameaça...é, gostei muito das cenas no carro. Apesar do jump scare (outro?! Já não chega de jump scares?)
Junte-se ao que já foi dito um certo exagero na violência que as personagens sofrem (exagero no sentido de algumas personagens levarem tanto que já parece impossível manterem-se vivas) e o excesso de correria já mencionado, temos aquele que pode ser o filme de terror mais dececionante dos últimos 16 anos. A sério; poucos filmes dessa época tiveram premissas tão boas e as utilizaram tão mal. Corrente do Mal também desiludiu, mas este ganha-lhe na honra duvidosa de desperdiçar um enorme potencial fácil, fácil. Além de uma ou duas cenas bizarras - a que mais me fez confusão foi sem dúvida aquela parte em que Alex entra no corredor como se nada fosse, o homem cego passa perto dele, Alex encolhe-se para o deixar passar e...não acontece nada. Desculpem, o quê?! Um homem cego que vive muito guiado pela audição não deu pela presença de Alex? Estão a brincar? Alex não foi nada discreto ao entrar no corredor, ele quase chocou contra o cego! E ele não sentiu o movimento de Alex?! O cego tem ao pé de si um humano a respirar sem restrições, a mover-se sem ter cuidado com o som que faz, com os pés a bater no chão, a encostar-se à parede...e não faz barulho suficiente para alertar um cego que está a centímetros de si? Por favor, não foi este o filme que me venderam! Eu esperava um cego, não um cego surdo! E depois, como querem que eu acredite que, mais tarde, o cego consegue ouvir outras pessoas em momentos em que elas estão mais longe? Se estabeleceram de forma tão clara, perto do início do jogo, que o cego não ouve alguém a mexer-se e a respirar indiscretamente mesmo ao pé de si? Vá lá, os fãs do terror estão sempre a queixar-se da falta de consistência! Não ligam a isso? Ó sr. Alvarez, eu compreendo que pode estar só a fazer o seu trabalho, que é fazer um filme, mas...não quis mesmo ser consistente?
Ai, ai, sr. Alvarez...podia ter feito uma obra para 8.0 ou 8.5. E nem era muito difícil. Bastava uma coisa para O Homem nas Trevas ter sido bem melhor, e essa coisa era simplesmente...ter um homem nas trevas!
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